segunda-feira, 3 de março de 2008

crep-úsculo sci-fi



Deixou a casa afundar nas trevas, deixou a escuridão ocupar cada ângulo, deixou-se.

Veio a solidão, e devorou-o.

Veio a tristeza e mordeu seus pulsos.

Veio o silêncio e cavou sulcos profundos na face.

Veio a desesperança e atou-lhe as mãos às costas, os pés voltados contra as nádegas. E meteu-lhe um capuz escuro e a cabeça perdida no interior do capuz negro num barril de água de chuvas.

Veio a melancolia e sua boca ficou seca, o estômago árido, a pele desértica.

Vieram os sonhos e lhes fustigaram os músculos miúdos.

Através da porta ouviu o caminhão da imundície estacionar.

Se arrastou até os cotovelos tocarem os ladrilhos gelados do banheiro. Ouviu o coro negro dos anjos, como uma nuvem de pássaros ondeando o céu, volteando curvas infinitas, arabescos e espirais, coleando o pasto celeste.

Abriu os olhos uma última vez e entreviu uma chama miúda, entre o azul e o vermelho.

O relógio bateu as horas contra o reboco úmido da parede.

Quando cessou a última badalada, eles entraram.

E dele se serviram. E se refestelaram.

*

Quando acordou, cada pedaço de seu corpo espalhava-se pela sala recém-desperta, o sol aconchegando-se sobre a manta do sofá e entre as pétalas do vaso da mesa.

Cada pedaço na boca de um deles, cada osso, cada tendão, músculo e gordura, as vísceras estendidas através do soalho do corredor rumo à porta dos fundos e às sombras mornas do quintal de frutas.

Ele apenas sorriu.



2 comentários:

Moacy Cirne disse...

Igualmente: crep-úsculo poe-e-sia. Abraços.

Mme. S. disse...

gostei. mas me deixou triste... e quem disse que isso é ruim, não é mesmo?
beijos, amigo, S.