terça-feira, 21 de agosto de 2007

crônica de ant’ontem publicada hoje



Cansei



A festa do vizinho “tá rolando”, como bem se diz, desde o meio do dia.

Já são quase seis.

Forró, claro. E tendas, e garçãos, e empadas, e cerveja, claro, claro, claro, claro.

Até umas três a sanfona ainda se fazia ouvir. Mas faz tempo que impera um teclado safado e onipresente preenchendo todos os espaços e arrombando – no sentido sexual, mesmo – as trompas de falópio de todos, as minhas inclusive, que nem fui convidado.

Nem convidado, mas tão por dentro da festa quanto os convivas. Ou são os seus rumores que estão aqui, dentro da minha (negrito, sublinhado, itálico) casa. Penetras amplificados.

Vez em quando dou uma espiada. Ninguém parece dançar. Que diabo fazem, sentadinhos ali, entornando cerveja mezzo quente mezzo fria, engurgitando massas farináceas com recheio de azeitona e ou catupiry?

Balançam a cabeça, fingem conversar, fingem ouvir o que o outro não tem a dizer. E os dedinhos amassam a forminha de papel da empadinha, do salgadinho, do camarão empanado, da coxinha oleosa feita com uma mistura que remete ao sabor de bípede emplumado.

Capto o som das ruas de Cidade dos Reis. Sem esforço. Não conheço nenhuma das músicas (canções?), mas o arranjo é quase sempre o mesmo – bateria eletrônica, teclados, uma voz masculina, outra feminina, assumidamente pouco canoras. A mensagem, aqui, é o que importa.

Alguns versos:

“Ah, essa paixão virou chiclete
Grudou no seu coração
Virei tiete”

Ou:

“Tá rolando um zum-zum-zum
Que você tá me traindo
Por aí se divertindo”

A melhor, segundo a humilde opinião deste neófito:

“Viemos aqui pra quê?
Pra conversar ou pra beber?
Então, vamo beber
Vamo beber
Vamo beber
Vamo beber
Vamo beber”

Lá pras tantas, depois de seguir a recomendação explícita, os ânimos se aquecem, o crooner vai do nordeste ao sul maravilha trocando as combinações do teclado-orquestra: Cazuza, Renato & seus Blue Caps, e... Xuxa. Quem imaginaria tal harmonia de combinações?

Pelos gritos dos convivas, imagino que eles mesmos.

Se Deus existe, a ressaca, amanhã, vai durar até a hora do Faustão.

Não, do Fantástico.

3 comentários:

Anônimo disse...

fiquei com azia só de ler.
ninguém merece uma vizinhança (e uma festa) assim...

midc disse...

a bem da verdade, lissa, a festa acabou antes das 20h - e não foi difícil conviver com o silêncio.

Moacy Cirne disse...

Puxa vida, nada mais irritante do que um som alto irritante. E as letras, hem? Ninguém merece...