segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Os amigos do meu irmão são meus amigos também



Ser caçula é padecer no Paraíso.

A gente é mimado, adulado, passam a mão na nossa cabeça, mas ninguém nos chama pra sair.

Dois anos me separam do meu irmão mais próximo.

Na infância, pouco, ou quase nada: as camas restavam a poucos passos, as roupas mudavam apenas de cor ou desenho.

O dia em que o cordão fraternal foi rompido foi de dor: eu vinha do centro da cidade pela rua Açu e vi, na calçada oposta, meu irmão com uma nova turma – ironicamente era a turma de um bloco de carnaval chamado Jardim de Infância. Talvez tenha sido no mesmo ano em que ele chegou na hora do almoço, jogou de lado a bolsa colegial pra lá de puída, as alças escangalhadas, um quase arremedo punk e dirigiu-se vigoroso aos meus pais: Sou um pré-adolescente, disse.

Eu, calado, assustado, pensei: Que será isso? – e, seja o que for, não é ainda pra mim.

Aquele carnaval foi nossa primeira ruptura – amigável, mas ruptura, e, sendo assim, traumática. Pela primeira vez eu fiquei só, no carro, com meus pais, observando o trator, as carrocerias enfeitadas, os macacões coloridos.

Mas, bom mesmo foi quando ele fez o pré. Pra quem não sabe, fazer o pré significa cursar o pré-universitário, último ano do colégio. Os amigos iam estudar lá em casa, antes da aula que começava às 5 da tarde. Eu peruava pra lá e pra cá, enquanto não me mandavam embora. Até que um deles, que tinha a maior coleção de vinis que eu conhecia, começou a me emprestar: Jethro Tull, Crosby, Still, Nash & Young, Alan Parsons Project, Yes, Pink Floyd, Emerson, Lake & Palmer e um Andrew Lloyd Webber que nunca mais vi.

Na universidade eram dois, os amigos mais inseparáveis. Dele.

E quando meu irmão arrumou uma namorada, ficando eles órfãos, fui adotado.

Às vezes num fusquinha branco, às vezes num escort vermelho, eu adentrei cada vez mais intensamente no mundo light da tríade sex, drugs, rock’n’roll. Talvez foi a forma que ele encontrou para, nem me privar do que podia ser bom, nem ser irresponsável de me levar pela mão por territórios que eu naturalmente deveria desbravar sozinho.

Um dia a viagem acabou, desembarcamos todos, outras viagens tiveram início.
Mas quando a gente se reencontra – eu ainda sendo chamado como um caçula da turma – eu percebo que aquela estação continua viva, sem sombra de saudosismo desenfreado, apenas a certeza de que as verdadeiras amizades duram pra sempre.

É como um disco de vinil: às vezes só falta onde tocá-lo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Comentar seu texto aqui é me repetir, e sem a grandeza de suas palavras. Mas não por pura coincidência postei lá no blog "Com uma fuga atrás da orelha" (transmimento de pensação). É engraçado como essa ápoca do pré pós e durante o fusca branco de Paul traz essa luz branca do fusca até hoje... chega assim como uma explosão suave de luz branca em slow motion, verão doce aparentemente perdido, e quando pedido, achado, na certeza que não estamos sós, na amizade para sempre e extraterrestre: os discos voadores são os discos de vinil! E sempre haverá um lugar para tocá-los - corações e mentes!

midc disse...

não existe mera coincidência - foi inspiração e citação mesmo, embora não explicitada nem creditada. nem precisava, o barco é o mesmo, ship of fools, como em plant.