sexta-feira, 16 de maio de 2008

Há dezessete anos


Há dezessete anos e o que me lembro é o braço de minha mãe segurando o meu, mão contra mão, dedos trepando-se em dedos, sufocando o tempo e me liberando o choro.

Há dezessete anos.

Uma criança nua, por trás do sangue e das vísceras, um choro de bebê.

Um rosto massacrado, berrando tintas.

Dezessete anos.

A espinha dorsal nua, o lençol descobrindo a pele branca, uma nuca, uma mulher sem rosto.

Eu, todo amordaçado, todo amarrado, todo higienizado, todo estéril, insípido, inodoro, impotente.

Sangue, gazes, assepsia em tons marrons, em crepúsculos escuros, dormentes, etéreos.

Meus pés, como estariam?

Depois, a criança nua, por trás do sangue e das vísceras, um choro de bebê. A camisolinha de bebê, o nome bordado, as flores bordadas – alguém esqueceu de bordar o destino, os percalços, a sinuosidade do caminho: alguém esqueceu de bordar a distância, o adeus.

Engulo o vazio. O móvel move-se. Descemos ao inferno das saudades. É outra mão que aperta a minha. Desta, sem dedos entrelaçados, apenas o punho contra o punho, o punho engolindo o punho, o punho engolfando o punho, o punho fagocitando o punho, o punho digerindo o punho, como uma jibóia que engoliu o boi e o transformou num arremedo de chapéu.

Agora, é uma luz que ofusca, uma luz que ofusca com o auxílio de vagas e vagalhões prateados, serpente de escamas que se repetem e brilham sob o sol.

Somos dois, às vezes três, uma vez, chegamos a quatro. Brincamos. Enquanto o sol nos engole, nos engolfa, nos fagocita, nos digere. E depois nos expulsa para sempre, cobertos de sangue e vísceras, sem a fluorescência que nos limpe das marcas e das cicatrizes que os anos, dezessete anos, teceram sobre a pele. Sem um afago, uma carícia, uma palavra: apenas o silêncio de uma mão grosseira enfiando o metal pontiagudo.

Há dezessete anos.



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