quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

estação



De ti, fujo, como a primavera do inclemente verão.

Descanso meus olhos do incêndio bruxo dos seus. Enrolo nuvens de farpas na junção lisa do seu colo. Anilho silêncios lá, ali, bem ali onde pulsa sublime su’alma cardiopata.

É uma luta desigual entre cílios. Eles me arrastam, me combatem, me viciam. Me ponho de lado, descortino os arcos alvos que sustentam sua voz. Uma a uma despojam-se de escamas o seu discurso. Desfolham-se de pétalas e de munição as palavras agora nuas.

Percorro os panos que tecem seu corpo e o escondem de mim e o apresentam a mim embora seja eu o que deve ser imolado. Dou de cara com os pés envolto em sandálias como as de Camila López. Os calcanhares como o de Aquiles e Gardner. Fico com o osso tremelicante de um Nabokov ancião.

Quero uma flecha, um arco! Não encontro.

É um labirinto sem ângulos a vizinhança que nossos corpos se batem. Uma estrada sinuosa nosso gaguejar de mãos e braços que avançam e recuam, mais que no espaço, no tempo.

Arena sem vencedores.

Atrás de si, correm minhas palavras.

Como cachorrinhos sôfregos.

Na outra direção, meu corpo exangue.

Passarão séculos sem que a beije, sem que me beije.

Passarão séculos sem que meus lábios umedeçam os seus, sua língua naufrague em minha.

Já passam séculos nesse breve instante em que fujo de si sem perceber que é a sua sombra que de mim desgarra.

E me expõe a um sol novamente inverno.

4 comentários:

Rodrigo Levino disse...

eita porra! o omi tá com a gota! palavras impecáveis.

Moacy Cirne disse...

Incêndio bruxo, o texto. Despojam-se as escamas o seu discurso, o discurso. Labirinto sem ângulos, a palavra. Estação das letras, novamente inverno. Incêndio das letras, o discurso. Labirinto das escamas, o texto. Estação da palavra, novamente. O inverso. O inverno. Mas passarão séculos.

Mme. S. disse...

lindo isso, que se chama poema...

Anônimo disse...

agora sou eu: faço minhas as palavras de mme. s.