segunda-feira, 31 de dezembro de 2007
Livres, enfim
Morto e enterrado Oswaldo Lamartine, a cidade pode respirar agora aliviada.
Foi-se o último, o derradeiro, o sobejo da seca, como gostava de biografar-se.
Não resta mais nenhum. Ou muito poucos.
Pode já esta metrópole, sem luto ou bandeira a meio-pau, seguir seu rumo beradeiro, sua agenda do crescimento, seu destino internacional. Pode continuar tranqüilamente a receber selinhos de Hebe Camargo e propostas irrecusáveis de cafetões internacionais.
Está livre, agora e para sempre, da obrigação medonha de deitar os olhos num livro seu.
Vivo, era um constrangimento só, ainda que quase esquecido e empoleirado no décimo segundo andar de um prédio com nome de rio e alcunha de flat.
Vivo, era a prova indubitável da possibilidade de vida inteligente às margens do Potengi. Exemplo claro de uma dedicação que não buscava nem o poder nem a glória nem o pavonear grotesco nos salões e ante-salas. Modelo de um cavalheirismo de bela figura suspenso no tempo, como se a Câmara dos Lordes inglesa e a caatinga potiguar fossem vizinhas de cerca.
Tudo, enfim, que não somos.
Oswaldo Lamartine era uma pedra no sapato desse estado, sempre recordando com sua presença discreta e paradoxalmente exuberante que não sabemos escrever, que não sabemos falar, que não sabemos ser educados, que não sabemos tanger nem gado nem abelha nem rastrear destinos nem manejar um punhal. Que não sabemos, principalmente, ler.
A morte de Oswaldo é página virada em livro não lido, abandonado de propósito na estante mais alta, pra não cair na tentação da leitura, pra esquecer, mesmo, de uma vez por todas, do que não sabemos e não somos capazes de apreender.
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