quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Minha vida na prisão


Daí, que saí ontem ao sereno.

Um pouco de flanagem, um tanto de caminhada pra limpar os brônquios e bronquíolos do fumo fumaça e alcatrão.

Pra ter como teto, breve instante, o céu aberto e as estrelinhas piscando – que não as vi, porque nem olhei pra cima, confesso.

Tão acostumado que estou com o rés do asfalto.

Saí hoje também. Nesse ritmo virarei arroz de festa das calles amargas de Ciudad de los Reyes.

Embarquei numas de Mezzo cammin’ della nostra vita – modo erudito de chamar aquela caixa sem buraquinhos pra respirar que é o maior shopping da província, da região, das arábias.

Numa e noutra saída, me decepcionei com a falta de enfeites de Natal. Eles existem, sim, mas – e eu dizia isso outro dia – me parecem desproporcionais ao meu desejo de show, espetáculo, efervescência, estratosfera, brilho, glamour, paetês, luzes feéricas, broadway, níu-iórqui, níu-iórqui. Paris, que seja.

Não sei se foi a falta do açafrão no meu arroz, não sei se foram os camarõezinhos, tão miúdos, tão poucos, assim tímidos; não sei se foi como me postei, numa mesa de costas pra turba, de frente pro janelão da 15. O fato é que tudo me pareceu sem graça e sabor.

E me veio de esculhambar os conterrâneos, que pensam comer bem na tal Praça, no tal shopping. Ora, vamos! Aquilo é uma casa de pastos pra suínos esqueléticos! Mais: é um zoológico envidraçado, um simba-safári com ar enclausurado, bem protegido, reconheço. Se uma das feras que circulam por ali nos atacarem – ou, se vice-versa, dermos comida pros bichos – imagino que um dos guardas fardados os atacará – ou, nos atacará – com um bastãozinho elétrico de filme americano.

Pois, no tal zoo, a fauna é extensa: tem gorila, anta, zebra, rinoceronte, chimpanzé, avestruz, crocodilo, víbora, hiena, sagüi, rato, ratazana, camundongo, tem até – acreditem! – um par de veados desfilando e deslizando pelos corredores entre as mesas: e um deles vestido de oncinha!

Pois, uma camiseta sem mangas com estampa de oncinha! Simpáticos, esses veadinhos da periferia... Mais um pouco, passa um menino, com coroa de cartolina colorida, me encara, o encaro, se envergonha, tira a coroa.

A essa altura, mais da metade do arroz jaz frio diante de mim, perninha cruzada, olhar dândi enfastiado – voltem! voltem! onde vocês compraram a camisa de oncinha?

Não demora, não demora, passa o Papai Noel. Ele mesmo. Indisfarçável a roupa glacial encarnada, a barba de ilhéu náufrago, botas, cinto démodé. Olha pra mim por trás dos oclinhos de míope, eu olho pra ele por trás de óculo algum, conversamos não sei quê, nessa troca silenciosa de íris. Está acompanhado de uma mocinha vestida quase igual – digo: vermelho, branco, gorro, bota. Ao posto das calças, uma minissaia mal-ajambrada e pernocas idem. Não, não pode ser a Mamãe Noel. Uma filha temporã? Neta? Talvez, uma secretária, assistente, amásia, até os papais Noel sentem um comichão na virilha. Passam tão rápidos que não dá tempo nem de responder a mim mesmo. Devem andar à cata de curumins, se ainda existe algum crente.

Quanto a mim, o cárcere me espera.

3 comentários:

Anônimo disse...

não fosse a turba del medio camiño, a flanagem teria ares de um dia mastroiani. mas há bichos demais soltos por aí. a jaula é mais que fuga, na maioria das vezes é tédio. e quem deixará de alimentá-lo - o tédio?

Moacy Cirne disse...

Meu caro: o único xópim interessante que conheço é o SAARA, aqui no centro do Rio: a céu aberto, comércio popular e variado, lanchonetes com pastéis de vento e doces árabes, lojinhas com ótimos produtos vagabundos, serviço de difusora (como se estivéssemos numa antiga praça do interior). Só tem uma lacuna imperdoável: falta-lhe um cinema-poeira. Abraços.

Alex de Souza disse...

É como eu sempre digo: açafrão ofende. E o miduei também!