segunda-feira, 22 de outubro de 2007

As torres da Cidade Perdida


Mais adiante, em outro recorte, Navarro homenageia o ingresso de Veríssimo de Melo na Academia, e volta a citar Othoniel: “A Academia já começava a ser injusta, como injusta continua a ser para com o nosso Príncipe Otoniel Menezes, que por mais incrível que pareça sofre hoje, além da injustiça literária (para que liga muito pouco) uma injustiça maior: o quase desemprego”.

Sanderson Negreiros já havia homenageado o autor de Praieira no dia 7, mesmo agosto 56, publicando UM POEMA PARA OTONIEL MENEZES: “Distante, já ouvimos o rumor / aflito dos pássaros da treva. / [...] Velho Otoniel, poeta sofrido / [...] Venho e virei, inseguro na voz, / inquieto no meu desígnio, / saudar o destino de tua mensagem / agora testemunho ardente de minha carne.”

E Myriam Coeli de Araújo, sem data, provavelmente mesmo período, intitulado OTONIEL: “Nosso grande amigo Otoniel, nosso irmão de Poesia, sofre a injustiça dos homens sentado em sua cadeira na sala da casinha humilde, acompanhado de sua tristeza, de seus livros e de sua Maria que lhe é o maior bem”.

Por que diabos falo em Othoniel – prefiro a grafia com agá – se este morreu em 69, se Navarro morreu em 91, se Dona Salete, que nem poeta era, ora bolas, morreu em 07? Ela, Maria Salete de Souza, professora da Escolinha Cândido Portinari, que casou com o poeta em 1980. Ela, que no hospital – me contou Taciano Arruda – perguntava e pedia pela cachorrinha “Cidinha”, Aparecida, como a cadela de Beira-rio – aquela outra, que não queria mais voltar pra Redinha, por temor ou desprezo ao outro lado do rio.

Porque, porque, porque. São tantos porquês. Tantas respostas. Releiam NN, meio século atrás: “Ingrata Cidade que mataste Itajubá e feriste Jorge Fernandes, pára um pouco a mão impiedosa que rasga a alma do Poeta de Praieira”. Releiam Jorge: “Eu avancei para muita coisa e terminei em nada”. Releiam Itajubá: “Natal, quando eu morrer, apaga-me da lembrança”.

Esqueçam aquela ponte, de nada para lugar algum. Esqueçam Navarro, Luís Carlos Guimarães, Berilo Wanderley, Oswaldo Lamartine, preparem-se para esquecer outros, tantos quantos hão-de, preparem-se para apagar o que importa do incômodo da lembrança.

Parem de perturbar os mortos com essas homenagens post-mortem, com esses títulos vazios, com esses descerrares de placas de bronze, ouro-de-tolo. Aprendam com Aparecida, da Redinha, de Beira-rio: “Ganha o alto da duna, vadeia por entre o mato ralo, alcança o emaranhado das redes estendidas ao sol, atira-se, entotecida por entre as velas que enxugam, e ganha, por fim, a proteção das primeiras casas. O coração pulsa violento. Meio palmo de língua roçando a areia e os olhos nublados. Não tenta olhar para trás. O certo é correr sempre para a frente”.

Um comentário:

Laélio Ferreira (de Melo) disse...

Mário Ivo,
Meu Saudar!

Atual, precisa, preciosa até, essa manifestação sobre a morte mansa, de passarinho, de Salete, viúva do meu velho amigo Newton Navarro. E que relembraças você traz sobre como a nossa Jerimunlândia trata os seus filhos maiores...!
Obrigado!
Othoniel, meu Pai,da "raça irritável", já na era dos 40,escreveu, no "Sertão de Espinho e de Flor":

“O epitáfio mais pomposo,
A quem, porventura, o gozo
Do que não teve, dará?
- Na vala comum, não dorme,
O diamante rude e enorme
Do crânio de Itajubá?

E eis o que este te diria,
Sem a santa hipocrisia
Do que te disse – por Deus!
Vê quão fiel se te ajusta,
Natal, cidade-Locusta,
Cornélia... de filisteus!


-“A terra onde tenho o nome,
mata os poetas – de fome.
Profeta, nenhum se viu...
A parábola de Cristo
Não teve melhor registro,
Mais dura não se cumpriu!

“Moura-torta de poetas!
Em minha vida, completas
O que fizeste aos demais!
Não venhas, depois, no trilho
Dos meus versos: - Ai, meu filho!
Carpir, madrasta mendaz!

“És linda. Iara morena,
pulando da água serena
do Potengi, a cantar,
nua, à sombra dos coqueiros,
perfumada de cajueiros,
-os seios furando o mar...

-“Jamais quiseste, entretanto,
ouvir o amoroso canto
de um filho. Formosa e cruel,
à mingua os matas. E, calma,
lhes negas tivessem alma.
És mãe – como a cascavel...

“Porventura, alguma estátua
já ergueste, cabocla fátua,
a quem fosse meu irmão?
Se a políticos se faça,
Quando farás, e em que praça,
A de Alberto Maranhão?

“Órfão de paz e conforto,
que importa – depois de morto -,
teus remorsos merecer?
Maldita sejas se, um dia,
Tentares, hiena ímpia,
As cinzas me revolver!

“De resto, não m’as perdeste?
Melhor destino, foi este,
Que o de um rótulo em latim,
- língua de enterro e de foro,
em que se diz que foi de ouro
tanta vasilha ruim...

“A glória a que aspiro – a única -,
a que há de ser minha túnica,
mais sagrada que a de um rei,
posse, intangível, se planta
na alma do povo – que canta
as canções que lhe ensinei!”-

Conceito geral, que a História
Tem dado à palavra – glória -,
Que pesas, sem a exceção?
Quem, no tempo, é mais gigante:
-Francisco de Assis ou Dante?
-O cérebro, ou o Coração?

Nascido sobre palhinhas,
Mais humilde que as rolinhas,
-Nu e Só, morre na Cruz....
Que Papa, na História inteira,
Vale um átomo, da poeira
Das jornadas de Jesus?

Feliz, quem possa, chegado
Do mundo, ao Céu estrelado,
Alto, à Consciência, dizer:
-“Amei!” Por amor, somente,
vir à terra, novamente,
sofrer! Batalhar! Viver!"

Laélio Ferreira de Melo