Comecinho de mês enfastiado.
Enchi a cara nos últimos de setembro. Resultado: ressaca nos albores de outubro.
Fazer o quê? Usar um termo mais literário, pretensioso, empolado? Enchi a cara, mesmo. De sexta a domingo. E olha que não sou nenhum Bukowski. Lembram-se? Em Crônica de um amor louco ele adentra no palco agarrando pelo pescoço um litro de alcohol, provavelmente vísqui. E tome a deitar falação sobre estilo, arma secreta, anti-macguffin do escritor.
Como dizia meu sobrinho – que, sim, já cresceu – “sem noção”.
Tudo começou num almoço de sexta, sem álcool.
Lá, retardado que sou, tomo conhecimento da nobre presença da duquesa de York em terras de Poty. Cidade dos Reis alvoroçada. Uma duquesa de verdade! Pouco importa se a moça nem pode mais ser tratada pelo título Sua alteza real, divorciada que é dum príncipe.
A moça veio num avião português, como antigamente usavam-se as caravelas do Reino. Para a tal “penosa travessia”, como gostam de repetir aqueles que podem, tudo podem, do lado de cá do Atlântico.
De repente, não mais que de repente, os súditos da coroa britânica em terra de Poty botam as manguinhas de fora e se apresentam impecáveis e extáticos – com xis, please – para a visita da tropa. São muitos, bem mais do que se poderia imaginar.
Já o Quarto Poder alvoroça-se, esquecendo por um instante as assessorias bem remuneradas. “Parem as máquinas!”, foi a palavra de ordem que se ouviu nas redações da Província. Como nos filmes de antão.
A nobreza de Cidade dos Reis não perdeu tempo. Apressou-se a desmarcar compromissos, a enfatiotar o corpitcho em vestidos de gala, a espantar a naftalina, a encomendar os acepipes reais.
A duquesa de York, Sarah Ferguson em Cidade dos Reis!
Pouca importa que a moça – como a maioria dos nobres ingleses – seja totalmente desprovida de glamour.
Pouca importa que seja branca como uma vela, mal-vestida como uma senhora inglesa, sem graça, sabor, carisma. Sem aplomb, para homenagear os de além Mancha.
Pouca importa que confundiram York com Nova, pois, York, segundo a língua ferina de A. Medeiros. Pouca importa o comentário pouco sutil de outro A. Medeiros, insinuando que a menina Madeleine também por cá deu seus costados.
As colunas informam o encontro da realeza, capitã-mor e duquesa, assim:
“Foi um final de tarde de gentilezas e troca de presentes.”
Hora propícia, pois, para o escambo civilizatório.
Dona Wilma presenteou livros, da autoria do seu governo. A duquesa de York presenteou livros, de sua própria autoria.
Um calafrio percorreu a espinha dorsal do mercado editorial.
O livro da moça chama-se Little red christmas story. Traduzido, poderia ser assim: Um conto de Natal do Pequeno Vermelho. Não é Dickens, mas. O exército vermelho adorou.
Já a imprensa, plebéia, não se acanhou em citar partes anatômicas da duquesa com termos pouco nobres: “A duquesa saboreou Rondelli de frango com catupiry e molho de nozes, mais suco de abacaxi com hortelã (ela disse ter amado); maaasss...batendo brincalhona no culote para dizer que não quer engordar, rejeitou os doces: cheesecake de goiaba e doce de banana.”
Ficamos assim sabendo que a nobreza tem, sim, culote.
Nem o nobre Antônio Houaiss consegue emprestar um pouco mais de realeza ao termo: “culote. excesso de gordura na face externa da parte coxofemoral.”
A imprensa, plebéia e alcoviteira, não se acanhou em insinuar um possível matrimônio unindo os De Faria com os Ferguson: “Ao ver [o] neto da governadora [...] 'Fergie', como é conhecida na Inglaterra, disse que tem duas filhas (as princesas Beatrice e Eugenie) e que da próxima vez que vier a Natal (nos próximos meses) trará as herdeiras para conhecê-lo”.
Muito cuidado com as little princess, rapazes. Vai que elas somem por aqui e a Rainha, Deus a salve, declara guerra a esta Cidadela Real.
Mas, deixando de lado a corte, meu delírio gastronômico continuou, lá pelas horas felizes do entardecer, no conjunto Ponta Negra, restaurante basco. O dono é dos mais simpáticos e indiferente ao fato que, debaixo do Equador e na esquina do continente, a língua oficial ainda é o português.
Um casal de espanhóis foge da culinária dos nativos e enfia-se na casa de pastos conterrânea. Ele, vermelho como um camarão. Ela, doida pra entabular conversa com os silvícolas. Repete à exaustão a descoberta: “raparigo”, “rapariga” tem um outro senso, longe das terras de Espanha, areias de Portugal. Uma mulata inzoneira, acompanhando em silêncio constrangedor um loirinho (seria um principezinho, desgarrado do convescote real?), sorri, meio sem graça.
Coitadas dessas moças negras, afro-potiguaras. Não podem nem sentar-se à mesa com um mancebo nórdico que os olhares preconceituosos já questionam o amor que desconhece as barreiras lingüísticas.
Isso foi na sexta. Sábado me dou um descanso, quebro um dente comendo pipocas. Noite baixa, dou com os costados na Vila, ali pelos lados onde a duchess hospeda-se. As meninas nativas enchem a cara. Gerações e gerações de sex, drugs, suor e cerveja. Mudamos, casa de um importante figurão da alta cultura potyguar. Mais cerveja, em banda de lata e cascos marrons. A turma reunida se dá conta que vinte anos se passaram desde os primeiros encontros. Mezzo do mezzo cammin di nostra vita. Ninguém fala da presença de Fergie, solenemente ignorada.
Inauguro o domingo com uma cerveja na praia de Pirangi, nem sombra de holandeses quanto mais de sararás inglesas. Continuo pelos lados de Cidade dos Reis, circuito Elizabeth Arden, Afonso Pena, Ladeira do Sol. Ainda não chegou, na banca CidadedoSol, a edição do Pequeno Vermelho. Saltamos, invés, do cavalo branco pros doze anos dum malte qualquer. A malta longe, longe. Os jornalecos descansam na garagem. Leio-os, ainda embalado em nuvens de álcool, na longa jornada noite adentro. Um ex-senador dá adeus à política, nas páginas dos dois maiores. Marjorie Estiano, também. A plebe ignara espreme-se num trem da CBTU. O padre Marcelo ora por nós. Isso, num. No outro, Raniere no gol: “Estamos no caminho. Basta seguir vencendo em casa.” Poderia ser outro Raniere, o autor dos versos. Também deveria ser outro o entrevistado da página três da Tribuna, onde lê-se, alto da página: “ENTREVISTA / Rosalba Ciarlini”. E pegue o retrato do ex-senador... Geraldo Melo. Lá pela página onze do caderno Cidades (já estou noutro periódico) a importante manchete: “Explode o consumo de bolo”.
E os culotes?
Assim não dá.
Sarah Ferguson para 2010. Urgente.
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2 comentários:
bom, muito bom...
hahahahah... pelo visto, Natal continua provinciana! Franklin Jorge bem me disse "veja o blogue Cidade dos Reis, de Mário Ivo Cavalcanti, a cara de Natal..."
Adorei!
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