segunda-feira, 24 de setembro de 2007

The Blind Boys of City of Kings | Ângelo Magalhães Silva



Capital não tem acrofobia
Para se estar na vertical, era necessário subir o Morro do Careca, na praia de Ponta Negra. Lá em cima, era só abrir os braços, sentir a brisa do mar e, da "cobertura", apreciar parte da cidade e do bairro. Subindo a Ladeira do Sol, se podia ver a Rua do Motor e parte do bairro das Rocas e o Forte. Era divertido, anti-stress, quase divino. Era desses pontos naturais que o natalense podia ver o espaço urbano de sua cidade, abaixo do seu nariz. Hoje, o caro é vê-la na horizontal.
Nos anos 60, em Natal estar na vertical era "démodé", "out", "estar por fora". Morar na horizontal é que era "dans", "in" e de acordo com os ditames sociais. Aqui não se olhava mais para cima, como durante a segunda guerra, pois no alto pouco se tinha para ver. Os raros conjuntos habitacionais térreos davam o ritmo da vida urbana. O natalense "espiava" na linha do horizonte. Os edifícios eram poucos e baixos. Para apreciar a cidade de cima era necessário ser empresário, trabalhar em banco ou ser um enfermo, internado no terceiro pavimento de algum hospital. Apenas 9% do total das edificações eram verticais e destinavam-se a estes serviços. Para o morador da Ribeira, Tirol, Petrópolis e Cidade Alta, isto era um sinal de bons tempos, modernidade, desenvolvimento e racionalidade.
A mudança do enfoque deu-se na década seguinte. Vários prédios foram construídos na Ribeira, Cidade Alta, Petrópolis e Tirol; 32 deles para uso diverso e 15 para fins residenciais. Todavia, no norte, sul, oeste e leste continuaram os conjuntos habitacionais tradicionais, como foi o caso dos conjuntos Ponta Negra e Alagamar, na zona sul, com 1.837 casas. Era um momento do crescimento demográfico e de ocupação de espaço e o início do dilema "viver na vertical ou na horizontal". Mas a regra era clara: "ainda não é bom subir muito alto".

Na década de oitenta a verticalidade se consolidou. Cresceu a atividade turística e comercial, expandiram-se as cooperativas habitacionais, as linhas de crédito para a aquisição da casa própria, novos conjuntos habitacionais foram edificados, requalificadas e construídas a Via Costeira e a Avenida Roberto Freire. Foram erguidos edifícios em espaços onde já existiam serviços de água, energia elétrica, calçamento, linhas telefônicas, transportes públicos etc. Os empresários da verticalidade transformaram o espaço das antigas casas de veraneio em espigões ou pousadas, trazendo a cidade para o modismo dos arranha-céus. Essa nova onda reconstruiu o cenário urbano ao seu modo, atraiu recursos externos, projetou Natal para o mundo imobiliário. Bairros como Cidade Alta, Lagoa Seca, Praia do Meio, Barro Vermelho, Tirol já tinham 124 edificações para uso residencial. A moda pegou e já não era mais preciso adoecer, para ver o mundo da vertical. O diagnóstico foi simples: o capital não tem acrofobia.

Os anos 90 foram de novos e arrojados investimentos, na vertical. Pensava-se em shoppings, hotéis, pousadas, áreas de lazer; pensava-se no turismo e na "exportação da cidade". Com a redução dos financiamentos para habitação, o mercado da horizontal foi desaquecido, e a partir de 1994, com o novo Plano Diretor da cidade, se intensificou a corrida para os espigões. A moda foi investir em áreas nobres e distantes do centro, sem muita estrutura urbana, mas com potencial de valorização. Cerca de 67% das novas edificações eram verticais, principalmente em Candelária, Capim Macio e Ponta Negra – só neste bairro, 13 edifícios. A partir desse ano, a solicitação de novos alvarás de edificação possibilitou subir mais alto, e em quase toda Natal.
Chega o novo milênio. Como o mundo não se acabou, é necessário ver o lado bom desse boom; vê-lo de cima, da vertical. A zona sul é o império do turismo e do capital imobiliário. Crescem os grandes empreendimentos imobiliários, os shoppings, redes de supermercados, grandes hotéis e mais pousadas. Na Natal cosmopolita se fala inglês, francês, italiano, alemão, norueguês, sueco e se intensifica a prostituição e o uso das drogas. Mas... agora, há os grandes residenciais na vertical, Corais do Atlântico, Sport park, Corais de Ponta Negra, Complexo Cidade Verde, Corais de Cotovelo e os Planos Cem, que chegaram e ficaram. Os moradores dos conjuntos Ponta Negra e Alagamar reclamam: "aqui tá ficando quente e perigoso". O Ministério Público também. A coisa esta perigosamente quente.

Os que contemplam Natal na vertical – e vêem a cidade olhando para baixo – dizem que tudo melhorou e acham que tudo está mais seguro, desde que se abra os braços e se sinta o vento em uma sacada – se possível, da cobertura. Todavia, os da horizontal, os que enxergam a cidade olhando para cima, reclamam por não terem mais espaço para estender seus braços e suas vidas. Todos, indistintamente, reclamam da falta de esgotos, da qualidade da água, do trânsito que começa a ficar caótico e das falhas da regulamentação para o crescimento da cidade. É caro ver a cidade de cima para baixo.

[escrito por Ângelo Magalhães Silva, sociólogo e pesquisador (angelomagalhaes@bol.com.br)]

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