quinta-feira, 26 de março de 2009

seventies - teenage wasteland

Pra relaxar – aqui, no original.




E aqui – ao vivo.



quarta-feira, 18 de março de 2009

segunda-feira, 16 de março de 2009

Endereços


[Publicado na página-coluna de Cultura neste 160309, segunda, JH 1a edição e, por extensão no http://www.embrulhandopeixe.blogspot.com/]





Houve um tempo em que morei numa fazenda.


Houve um tempo em que morei à beira-mar.


Houve um tempo em que morei vizinho a uma fábrica abandonada.


Houve um tempo em que morei bem próximo a uma estação de trem.


Na fazenda havia cães, gatos, vacas, cavalos.


À beira-mar havia peixes. Conchas. Estrelas-do-mar.


Na fábrica não havia nada, abandonada e fechada que estava.


Na estação chegavam trens, e dela partiam trens.


Os trilhos se cruzavam aqui e ali e quanto mais próximos do prédio principal estavam, mais se multiplicavam. Quanto mais se afastavam, mais diminuíam em número e ilusão geométrica, até que só restavam dois.


O pátio da fábrica restava vazio a qualquer hora do dia. Das enormes portas esperávamos que uma multidão, uma turma, alguém, entrasse ou saísse. Mas ninguém entrava. Ou saía.


Além dos peixes e das conchas e das estrelas-do-mar, na praia havia gente, crianças brincando. Quando a maré era alta, as pessoas se concentravam, os pés batidos pelas ondas. Quando baixa a maré, a gente se dispersava na faixa larga de areia úmida, como formigas e migalhas num tapete líquido.


Muitos caminhos levavam à fazenda. Algumas veredas. Terra batida e pó de estrada. Vez ou outra o silêncio era quebrado pelo motor de um caminhão, a boléia sacudindo rumores metálicos.


Um dia, a gata mais peluda correu atrás de um rato grande: era um timbu.


Um dia veio dar à praia uma lata de detefon, com escritas japonesas.


Um dia, na fábrica abandonada, nada aconteceu, como em qualquer dia.


Um dia eu me despedi de alguém na estação de trens e foi uma dor tão grande e insuportável que me acompanhou até a última estação, duas horas depois. Tão grande e insuportável que nem sei dizer.


Houve um tempo em que morei numa casa com jardim nos fundos.


Houve um tempo em que morei numa casa com jardim no alto.


Houve um tempo em que morei numa casa com jardim por todos os lados. E um quintal nos fundos.


Houve um tempo em que morei numa casa sem jardim algum.


No jardim dos fundos, na parede do canto, estavam duas velhas bicicletas, do tempo da guerra. Uma, modelo masculino. A outra, modelo feminino.


Ainda me lembro do meu cão de raça, preto e pelo curto, saltando os dois níveis do jardim, na casa com jardim por todos os lados.


Não me lembro de nada que possa ser associado a plantas, animais, ou bicicletas, na casa sem jardim algum. Minto: havia uma praça em frente, e ainda posso vê-la buscando o equilíbrio sobre as duas rodinhas, os dentes da frente perdidos. Mas posso estar inventando, esta memória que é ficção.


Houve um tempo em que morei numa casa com mais cinco pessoas. Até que elas foram sumindo, uma a uma. Até restarem somente duas.


Houve um tempo em que morei numa casa com mais duas pessoas. Uma delas se dividiu numa terceira e então éramos quatro.


Houve um tempo em que morei numa casa com mais uma pessoa. A outra, que não era eu, se dividiu numa segunda pessoinha e então éramos três.


Houve também um tempo em que morei num apartamento com mais quatro pessoas. Eu era a quinta, o último a chegar, o visitante. O meu quarto era pequeno e na parede colei um pôster de Roberto Benigni abraçando e beijando furiosamente Nicoletta Braschi.


Houve um tempo em que comíamos numa mesa com as extremidades abobadadas.


Houve um tempo em que comíamos numa mesa reta.


Houve um tempo em que comíamos numa minúscula mesa próxima à janela.


Houve um tempo em que comíamos numa mesa de vidro, sempre marcada de pó.


Quando uma das vacas pariu lhe deram à filha o nome de Caçula.


Quando eu ficava a sós, na casa do alto, próxima ao céu, eu gostava de cuidar das plantas nos vasos. Eu me preocupava se sentiam frio. Mais que o calor, era o frio que me angustiava os olhos, refletindo folhas, raízes, adubo.


Quando eu voltei para uma das casas, muitos anos depois, não encontrei mais meu quarto de dormir.


Quando entramos no apartamento abandonado, encontramos um mural retratando a Praça Vermelha de Moscou numa das paredes. Permanecemos juntos, por algum tempo, olhando o mural. Depois, o cobrimos de tinta branca, e ele desapareceu.


Houve um tempo também que eu já não sabia onde morava. Nem com quem morava. Até que me descobri só. Eu poderia acrescentar um “tristemente só”, mas não estaria contando tudo. Eu poderia acrescentar um “felizmente só”, mas estaria mentindo também.



sexta-feira, 13 de março de 2009

lembrando j gualberto no dia da poesia ou às vésperas do:


É preciso muito cuidado ao entardecer

para não limpar o cu em folhas de urtigas,


[Fragmento de É preciso muito cuidado... in João Gualberto C. Aguiar, Nuvempoema, Natal: Fundação José Augusto, 1990]









sonhei minhas mãos em teus pés







Por onde começo.


Estou bem, obrigado, muito obrigado pela cadeira.


Bonito, o lugar.


Os passarinhos. Posso dar alpiste. Uma beleza esse som de asas, as penas rangendo silêncios. Bonito lugar. Sei, já falei.


Tenho essa mania de cruzar as mãos. Gosto de sentir meus ossos. Tenho ossos fortes, o médico falou.


O paletó foi presente do pai. Mãe lavou. Estirou. Não, não gosto de ferro de engomar. É quente. Queima.


Seria bom um copo d’água. Quando os joelhos começam a inchar é sinal de nuvens no céu. Lá pros lados do horizonte fica tudo coalhado de nuvens, o breu começa a devorar tudo, a copa das árvores, e o canto dos passarinhos.


Vez por outra ouço sua voz. Mas não quero. Sempre perguntando. Não sei as respostas, nunca sei. Então, com o indicador, aperto aqui do lado, na têmpora. Desligo. Desce um silêncio feito anjo do céu.


Bonito esse azul virando encarnado.


Mas quando fica tudo escuro, não gosto.


Dá tristeza. Melancolia.


Tristeza é assim, esse vazio. Um vazio que incha como um balão de pedra. Não é oco não. É uma bola de pedra compacta, inteira, bem lisa e arredondada.


Melancolia é quando a pedra começa a rolar.


Olha, minha mão tem muitas linhas, todas com seu significado.


O cravo foi minha irmã quem deu. Botou no bolso, me deu um beijo na face. Fiquei corado. Gosto dela.


Pai não quer que eu brinque com ela.


Daí fico triste. Outro caminho, esse, para a tristeza.


A solidão, não. Solidão é um atalho.


Quando querendo brincar comigo mesmo, fico só. Bonito esse ficar só no mundo. Mundo grande. E eu no meio.


Depois do meio da tarde, quando o sol inclina sua crista e as nuvens descem a ruminar o pasto. As sombras se alongam, até não poderem mais se esticar. Gosto.


É das horas que mais gosto.


As vacas balançam sinos, os sinos balançam úberes, meu peito incha de dor.


Penso nela. Gosto sempre de pensar nela.


Mas dói.


Outro caminho para a tristeza.


Daí a solidão vira pedra. E eu não consigo empurrar a pedra. Bem maior que eu. Olha, esse músculo ficou todo contraído.


O cabelo, o moço cortou ontem. Às vezes machuca, o moço. Sempre sério, todo vestido de branco, uma alvura. Mas ele é moreno. Assim, como esse toco de pau. Uma vez falou o nome, só pra me chatear. Fiquei enfezado. Bati nele com um pedaço de pau. Não, maior.


Eu não roia as unhas, antes.


Mais água. Por favor. Os gringos dizem, plízi. Vi na tevê.


O sonho com ela. Foi hoje, de manhã, cedinho.


Tão lindo.


Bonito de se ver. Mas só eu vi. Se pudesse, mostrava, como na tevê.


Esse gravador, não grava vozes. Então. Tinham de inventar um gravador para gravar sonhos. Assim eu não esquecia os pedaços, como agora esqueci.


Na casa dos meus pais. A da minha infância. Todos lá. Os irmãos, a irmã. Pai ainda não ficava brabo com eu metido em seu quarto. Brincando com os vestidos das bonecas.


Eu amo ela, sim. Não como amava a mana. A mana era só brincadeira. Com ela é diferente, é uma febre malsã. Fico todo cheio de mim.


O sonho.


Lembro pouco. Nós dois na cozinha. O chão frio. Eu falava normal, entende. Era como se a gente rodopiasse e o lugar era um salão. Mas não era. Nem a gente dançava, nem o quarto era tão grande. Depois a gente sentava no corredor. Todinho azul. Um de frente pro outro. Ela esticava os pés, nus, eu brincava com seus dedos. E eu dizia: a gente não pode ficar junto, eu sei. Não. Acho que eu não falava nada. Falava, sim, mas não isso. Mas eu sabia, ela sabia, que não podíamos ficar juntos. Ela, uma mulher comprometida.


Mas naquele momento, havia só eu e ela.


Assim. Suas pernas esticadas rumo a mim.


Ela apoiada no braço, minhas mãos acariciando seus pés.


Nunca fui tão feliz.


Nem ela.


Mas não sei se ela sonhou comigo. Como eu sonhei com ela.


Mais uma vereda para a tristeza.


Ela sorria, no sonho ela sorria.


Então, me rio também.


Vê, sou todo felicidade. Júbilo. Louvor.


Assim, descruzo as mãos e bato palmas. Me levanto num salto, o sol se ergue comigo. Os passarinhos vêm e me bicam os cabelos. Tenho alpistes nos ombros. Sou forte. Quer ver como empurro a pedra.


Sonhei com ela. Se ela sonhar comigo a pedra some.


E tudo é planície.


Daqui além.


Precisava ver. A ponta da sua perna em minhas mãos, tão juntinho de mim. Eu ria, ela ria também. Só lembro nossas bocas, sorrindo, a dela mais vermelha que a minha. Meus olhinhos mais apertados que os dela.


Troco todo esse lugar por aquele corredor-azul.


Onde, nós dois, eu e ela, ela e eu, estaremos sempre mais próximos.


Porque agora estamos tão longe. Tão longe. Nem eu sei dela, nem ela sabe de mim. Vê, nem lá longe enxergo. Vê. Não é ninguém que vem lá, no fim do horizonte, onde as nuvens beijam a terra, onde o sol estende seus raios e aprisiona o orvalho em arco-íris de luz.


Tudo tão vazio. Quando fico assim, minha boca murcha, pende, em direção ao centro da Terra. Quase se desfaz.


A pedra incha. Não consigo movê-la. A boca seca. Não consigo beber. Minhas mãos. Os ossos fortes.


Licença. Preciso dormir. Quero sonhar com ela. E com ela sonhando comigo. Só assim posso viver. Juntinho dela, os dois abraçados naquele corredor-azul.



quinta-feira, 5 de março de 2009

jogando ping-pong com Sheyla Azevedo

Sheyla Azevedo lançou o convite em seu blog.
Para um ping-pong com cheiro de caleidoscópio.
Dieta das tantas perguntas.
Fases da lua.
Horóscopo sem destino, I King de ontem.
Ping.
Pong.


Filme que vem à cabeça: Fim de caso
Televisão: Desligada
Cinema: Às escuras
Livro: Aberto
Uma mulher: Nenhuma qualquer
Um homem: Pra chamar de seu
A dor se alivia com: Suspiros poéticos e saudades
Cantada: Literal
Gafe: Dar murro em ponta de faca
Sexo: Infinito enquanto dure
Aprendizado: Jardim de Infância do Éden
Família: Pais, Filhos, Irmãos. Amigos
Filhos: Melhor tê-los
Debaixo dos lençóis: Os seus cabelos
Amor: Nuvens e as formas que adquirem
Milagre: Estarmos vivos
Tristeza: Onipresente & onisciente
Bebida: Alcahol
Vício: Bem-me-quer-mal-me-quer
Incontinência: ...
Intolerância a: Preconceito
Perfume: De mulher
Raiva: Dias sim, dias não
Deus: ?
Perdão: Sem querer
Viagem: Interior
Natureza: Do escorpião, do sapo
Diversão: Acústica
Música: Barulhinho bom