terça-feira, 3 de novembro de 2009
domingo, 13 de setembro de 2009
tous les matins du monde

(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
[e. e. cummings traduzido por augusto de campos]
(i do not know what it is about you that closes
and opens; only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody, not even the rain, has such small hands
my girl's tall with hard long eyes
as she stands, with her long hard hands keeping
silence on her dress, good for sleeping
is her long hard body filled with surprise
like a white shocking wire, when she smiles
a hard long smile it sometimes makes
gaily go clean through me tickling aches,
and the weak noise of her eyes easily files
my impatience to an edge--my girl's tall
and taut, with thin legs just like a vine
that's spent all of its life on a garden-wall,
and is going to die. When we grimly go to bed
with these legs she begins to heave and twine
about me, and to kiss my face and head.
[e. e. cummings]
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
Mostre-me quem devo desejar
2. Para te mostrar onde está teu desejo, basta te proibi-lo um pouco (se é verdade que não existe desejo sem proibição). X... quer que eu esteja lá, ao seu lado, contanto que eu o deixe um pouco livre: maleável, me ausentando às vezes, mas ficando não longe; de um lado é preciso que eu esteja presente como proibição (sem o que não haveria bom desejo), mas é também preciso que eu me afaste no momento em que corresse o risco de atrapalhar o desejo formado: é preciso que eu seja a Mãe suficientemente boa (protetora e liberal), em volta da qual a criança brinca, enquanto ela cose calmamente. Essa seria a estrutura do casal "bem-sucedido"; um pouco de proibição, muito jogo; designar o desejo, e depois deixá-lo, como esses nativos amáveis, que mostram bem o caminho a você, sem no entanto se oferecerem para acompanhá-lo.
terça-feira, 28 de julho de 2009
sábado, 11 de abril de 2009
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
segunda-feira, 28 de julho de 2008
De laranjas e morcegos [280708]

A culpa foi da Sukita.
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Fliperama epiléptico [140508]
.jpg)
Assistir “Speed Racer” é jogar fliperama durante um ataque de epilepsia depois de engolir quaisquer pastilhas de efeito alucinógeno. Se a trilha tivesse uma cítara e ecos de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” e “Their Satanic Majesties Request” (Beatles e Rolling Stones, respectivamente) ou pitadas da trilha do Pink Floyd para “La Vallée”, então, o negócio era psicodelia pura!
terça-feira, 30 de outubro de 2007
Eu vi Tropa de elite
Fui ver Tropa de elite.
Sessão promocional, R$ 7 inteira, R$ 3,5 meia.
O Cinemark botou pra trabalhar um casal de bilheteiros.
Não ligou nem o ar condicionado, coitados, um deles se abanava com um folheto de propaganda.
A fila se arrastava. Composta em sua maioria por jovens estudantes, todos de carteirinha na mão, só pioravam o tempo de espera.
Agora que eu vi o filme, entendo: estavam todos drogados, provavelmente emaconhados, playboyzinhos burgueses alimentando o tráfico à custa de seus vícios: marijuana e os blockbusters exibidos pela tal rede Cinemark.
Arrastavam seus tênis burgueses, suas sandálias havaianas burguesas, suas fardas de colegiais particulares, seus jeans de marca. Sem pressa, tá ligado?
Passei uns vinte minutos na fila.
Fui obrigado a ouvir as pérolas que os imberbes trajando farda de colégio religioso disparavam, às minhas costas, nas minhas oiças:
- Eu já tentei gostar de rock, mas. Presta atenção, presta atenção: todos caras que a gente conhece que ouve rock são todos abestalhados.
- Eu gosto de trilha sonora. Mas, pra ter – é meio ruim de ouvir, é pra ter...
Quantas crianças o morro não perdeu pro tráfico enquanto a estudantada burguesa desembolsava, preguiçosamente, três reais e cinqüenta pra assistir Tropa de elite, O homem que desafiou o cão, Jogos mortais I, II, III, IV e que tais?
Se eu já tivesse visto o filme, ah! Eu chamava na hora o capitão Nascimento. Pra dar um jeito na pivetada de bem e nos dois bilheteiros morosos. Depois, invadia aquelas salas privadas do Cinemark, onde o gerente sempre se esconde quando o cidadão tem algo a reclamar, a-ká-quarenta-e-sete numa mão, a outra fazendo aquele volteio no alto, sinal de circulando, que o Wagner Moura sabe fazer tão bem. O cabeção do gerente ia cair dentro dum saco de pipocas king size, com manteiga, sim, com manteiga! O cara ia sufocar até responder minhas perguntas:
- Por que não colocar mais gente pra trabalhar na bilheteria, especialmente em dia de promoção?
- Por que a pipoca custa tão caro?
- Por que não exibir ao menos numa das salas – uma! – um filmezinho melhor?
Tudo bem, tem Baixio das bestas...
Mas Baixio das besta eu já vi, caralho!
Porra!
Puta que pariu!
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
As bestas

Quem avisa amigo é, diz o ditado. Eu, não.
Os bestas | Piauí, RJ; Piauí, SP

A crônica (quase policial) da Piauí começa com ares de jornalismo-verdade:
Eu me apresso em retrucar: e que diacho Baixio tem a ver com isso? O articulista da Piauí apressa-se em responder: “Baixio das bestas lida com as duas questões. O filme, que se passa na Zona da Mata pernambucana, mostra o horror com agrado e crueza.”
Não me passou pela cabeça que o diretor pernambucano desejasse “lidar com as duas questões” – nem comentar a violência contra as mulheres, em PE ou alhures, nem tampouco enfatizar o machismo das sociedades patriarcais (tem um “nordestinas” enfaticamente implícito no termo adotado, como se a turma do café fosse mais civilizada). Tampouco vi agrado nenhum em sua representação do “horror”.
O preconceito da revista sul-maravilhosa contra os nordestinos é descarado. A começar do nome adotado, em tom pretensamente engraçadinho e inócuo. Depois de contar o enredo, o autor (anônimo) do artigo continua:
Notem o uso irônico do francês, desejando um contraste gritante com a origem nordestina do diretor. Mais pra frente o texto ainda refere-se ao filme de Assis como “sua oeuvre”.
A revista, e seu representante, são desde o inicio mal-intencionados: “Marcou-se um almoço na Casa da Suíça, restaurante antigo e simpático no decadente bairro da Glória, no Rio.” Tipo: vamos levar o nordestino, “auteur”, ao Primeiro Mundo. Ora, sem essa aranha: os repórteres andam vendo muito filminhos tipo Pretty woman, e queriam, mesmo, dar uma lição nos paraíbas, levar a classe baixa ao paraíso para que se apercebam do devido lugar. Os adjetivos pululam, como sapinhos na lagoa, nem um deles à toa: “antigo”, “simpático”, “decadente”.
Texto original, sem subtítulos: “Assis chegou um pouco atrasado. Com 46 anos, vestia o uniforme dos adolescentes filhinhos-de-papai: jeans, camiseta estampada fora da calça e boné enterrado na testa. Demonstrou também os modos (estudadamente) mal-educados de um púbere mimado, pois almoçou sem tirar o boné e pontuou todas as frases com palavrões. Pediu um steak tartare, que nunca havia provado.”
Querem os subtítulos? “Nordestino mal-educado pobre desejoso de ser quem não é não apenas em relação à idade mas também à classe social comporta-se naturalmente mal cagando já na entrada enquanto dos pretos espera-se ao menos que aguardem a saída para justificar suas origens territoriais”.
Aliás, que merda é steak tartare? Eu nunca provei. Abaixo-assinado aí nos comentários pra quem também não provou.
Ah, mas a revista não dá ponto sem nó – a explicação do prato vem sutilmente no parágrafo seguinte, acompanhada da bandeira hasteada do preconceito:
A explicação, para os desvarios do ingnorante cineasta, é lógica – além de nordestino, tem idéias esquerdistas: “Como também era de se imaginar, Assis se disse um artista de esquerda. Na juventude, chegou a freqüentar uma organização comunista. ‘Saí do partido porque não queriam que eu fumasse maconha, bebesse e falasse palavrão’, afirmou. ‘Ora, eu sou um homem do povo, bebo e falo palavrões.’”
Destaco, ainda, outros fragmentos do texto do legítimo auteur piauiense dos baixios do Leblon e Gávea:
Não, meninos, não. Haverá quem se excite com a adulta com ares púberes. Eu, inclusive. Não por parecer uma menina, mas por ser uma mulher nua, e a nudez é excitante, inútil dizer que não é. E não é a mesma editora Abril, que comercializa e distribui a Piauí, a redentora de centenas de mães brasileiras cujas filhinhas expõem suas vergonhas na cara de milhares de leitores e assinantes ao custo de dez, doze reais, preço de capa?
Mas a tal da cena, na opinião do subscrito, é totalmente inserida no roteiro: ela acontece quando a menina começa a despertar, ainda mais conscientemente, sua própria sexualidade, antes um mero objeto do prazer voyeurístico da macharia. E antecipa a ruptura que acontecerá na seqüência, quando ela se livra do avô sacana, pra cair na vida de puta de beira de estrada – uma independência obviamente discutível, mas natural. Ou alguém acredita que mulher bulida, em Nazaré das Farinhas, Sorocaba ou Copacabana pode ainda encontrar um príncipe encantado?
Ainda: debate intelectual? O dândi sulista, jornalista refinado, contra o brucutu pau-de-arara, caga-lona? (A propósito e em tempo: no sítio da Piauí a matéria vem assinada, ao contrário da edição impressa, por Mario Sergio Conti).
“O cineasta, que tomou duas taças de vinho, parecia feliz da vida com o que tinha a dizer, no filme e no almoço.” Opa. Recado a quem ouse denunciar os males do país: nada de vinho, nada de sorriso na cara, nada que contrarie o discurso engajado.
Piauí ainda tem tempo de denunciar o macho pernambucano, que teve a ousadia de vencer no estrangeiro conquistando prêmios para o tal Cinema Nacional (que recusa-se a sair do eixo Rio-Sp), acusando-o de refocilar-se (tragam-me o Houaiss, please) “no sadismo misógino”, sintonizado que está “com o imaginário perverso dos tempos que correm”.
E conclui, com a pretensa chave-de-ouro do jornalismo-verdade, este, sim, legitimamente engajée: “Pobre Raquel Cristina, que vivia na realidade.”
Raquel Cristina é a coitada lá de cima, que entrou no texto de gaiata, na tentativa nobre do articulista anônimo de mostrar a Cláudio Assis como se faz jornalismo-denúncia.
A propósito: o país já acabou com as saúvas?
Revista Piauí. Editora Alvinegra. Rua do Russel 270 4º andar Rio de Janeiro. Avenida 9 de julho 5966 cj 21 São Paulo. www.revistapiaui.com.br
Baixio das bestas. Filmado em Pernambuco.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
O filho de Godard e Pasolini
Seria mais ou menos como o cruzamento genético de uma melancia com uma uva, mas o resultado foi excepcional: Bernardo Bertolucci, nesses dias e noites venezianas, afirmou ter ao menos dois “pais putativos” – Pier Paolo Pasolini e Jean-Luc Godard.
Bertolucci recebeu anteontem o Leone d’oro speciale da 75ª mostra internacional de cinema. “Melhor que receber o Leão pela carreira”, disse ao jornal italiano La Repubblica, insinuando que aquele outro Leão (concedido a Nikita Mikhálkov) poderia ser o atestado de uma aposentadoria da qual ele faz questão de manter-se ainda longe. As filmagens de seu novo filme começam tão logo sejam concluídos acordos de produção. O diretor da mostra, Marco Muelle, já avisou a Bertolucci do interesse de produtores chineses em financiar a obra, que deverá ter o título, talvez provisório, de Condizione umanà al 60%.
O diretor italiano é habitué da laguna – a primeira vez que participou do festival tinha apenas 21 anos e um só filme: La commare secca (1962). Quarenta e cinco anos depois, Veneza apresentou ao público duas obras suas, restauradas: o documentário La via del petrolio e o longa, de 70, Strategia del ragno (este, inspirado num conto de Borges).
“Estreei no cinema como assistente de direção de Accattone, o primeiro filme de Pasolini”, lembrou, recordando um dos “pais”.
Sobre Godard, rememorou um episódio, quando foi presidente do júri em Veneza 83: “No começo, um pouco embriagados, eu e os outros diretores do júri (Bob Rafelson, Agnes Varda) decidimos conferir-lhe sete prêmios... depois, aceitamos alguns conselhos mais racionais e lhe demos ‘apenas’ três ou quatro!”
O pai “verdadeiro” de Bertolucci também foi uma grande inspiração para o diretor: Attilio Bertolucci era poeta, professor de história da arte e crítico cinematográfico. A mãe, Ninetta Giovanardi, era professora de letras, filha de um italiano emigrado na Austrália por motivos políticos e de uma irlandesa.
Não deve ter sido um acaso que o cãozinho que o menino Bernardo teve na infância chamava-se Flush – homônimo do cão da poeta Elizabeth Barret Browning, retratado, biografado e ironizado por Virginia Woolf em Flush: memórias de um cão (1933). Este Flush original nasceu e viveu na Inglaterra, morou alguns meses em Pisa, e veio a falecer em Florença.
Já Bertolucci nasceu em Parma, e aos 11 anos muda-se com a família para Roma, quinto andar de um prédio na Via Giacinto Carini, número 45, Monteverde Vecchio, bairro de casas elegantes. No primeiro andar morava um rapaz um tanto esquisito, vestido às vezes como um proletário, como um “ragazzo di vita”: era Pier Paolo.
Morei próximo a Monteverde, em Via di Donna Olimpia, número 30, justamente nas “casas populares” onde Pasolini ambientou seus Meninos da vida (no Brasil publicado apenas pelo Círculo do Livro). As tais casas populares na verdade são conjuntos de prédios cedidos pelo governo italiano às famílias de baixa renda. Foram construídas durante o fascismo, e eram referidas ironicamente pelos próprios moradores como “arranha-céus”.
Bastava subir uma ladeira e sair do proletariado para o mundo pequeno burguês. Ou, para Pasolini, descer uma ladeira e sair do mundo pequeno burguês para o proletariado. Os contrastes, enfatize-se, não são nem eram os extremos brasileiros, entre alta favela e baixa elite branca, topologicamente às avessas.
A primeira vez que viu Pasolini, Bertolucci fechou-lhe a porta. “Numa tarde de domingo, às três, batem à porta, vou abrir e vejo um jovem vestido de azul, terno de festa e um grande tufo de cabelos negros. Me perguntou se podia ver meu pai. Eu pensei que fosse um ladrão. [...] Meu pai estava dormindo e eu deixei Pier Paolo fora de casa. Sem uma palavra. Evidentemente eu sentia qualquer coisa de muito forte nele, qualquer coisa excepcional.” [in Stefano Socci, Bernardo Bertolucci, Milano: Editrice Il Castoro, 1995]
Attilio Bertolucci ajudaria o poeta friulano a publicar Ragazzi di vita, seu primeiro romance.
O poeta friulano convidaria o jovem parmigiano a ser seu assistente no primeiro filme.
O produtor Tonino Cervi convidaria o primogênito de Attilio para dirigir a seqüência de Accattone, La commare secca.
“A minha maior preocupação era fazer um filme diferente de Accattone, que parecesse mais comigo. De conseguir que fossem meus, os rostos, as paisagens, e um dialeto que no princípio não eram.”
Com o filme de estréia, Bertolucci considera-se mais francês que italiano. Godard e Truffaut eram suas referências na época, justamente pelos questionamentos sobre o que era o processo de fazer filmes – “finalmente o cinema tinha chegado ao ponto de olhar-se no espelho”.
É de Bertolucci – junto com Dario Argento e Sergio Leone – o roteiro de Era uma vez no Oeste (68).
É de Bertolucci um dos grandes escândalos do cinema – O último tango em Paris – quase sempre infelizmente lembrado apenas pelo episódio da manteiga do que por uma infinidade de méritos outros, à escolha dos fãs e críticos. Eu citaria a música de Gato Barbieri, as imagens de Francis Bacon, o próprio apartamento onde se enclausuram Brando e Maria Schneider.
Tango foi censurado. Durante quase quinze anos foi proibida sua exibição em grande parte do mundo. Impossível não encontrar um paralelo com as infinitas perseguições à obra de um dos seus pais, Pasolini.
Na Espanha, as donas de casa cruzavam a fronteira do regime de Franco para assistir O último tango, esperando aprender alguma lição sexual.
Bertolucci volta à carga “escandalosa” com La luna (79), onde uma mãe americana tenta salvar o filho adolescente da droga, aceitando suas insinuações incestuosas. O roteiro tem a colaboração de Clare Peploe, então companheira do diretor. A mesma Peploe de Antonioni.
Se Michelangelo é sempre lembrado pelo seu discurso da incomunicabilidade, quase nunca comenta-se sobre o mesmo enfoque na obra de Bertolucci – talvez por ter uma temática mais ampla em sua também ampla filmografia. A impossibilidade das relações, presente nO último tango, permanece como pano de fundo de O céu que nos protege (ou O chá no deserto), inspirado no romance de Paul Bowles. É quase o mesmo casal, transferido da claustrofobia do apartamento parisiense para a claustrofobia do deserto marroquino. Dos anos setenta para os anos quarenta. Dos anos setenta para os anos noventa.
“Não é um filme sobre a impossibilidade do amor, mas sobre a impossibilidade de ser feliz no amor”, comentou. E:
“Os casais modernos são uma espécie em perigo. São tão constantemente atacados pelo mundo exterior que criam um tipo de fusão, uma simbiose. E tudo isso os leva logicamente a uma crise.”
Não posso falar sobre o último filme de Bertolucci, que não vi, mas sobre o último que vi: L’asssedio, quase dez anos atrás. Bertolucci retorna às relações tempestuosas entre um homem e uma mulher; e a Roma, uma Roma turística e ao mesmo tempo intimamente pessoal: os protagonistas, um músico inglês e uma estudante africana, convivem num apartamento vizinho às escadarias de Trinità dei Monti. Embora aparentemente “menor”, sem a grandiloqüência das paisagens as quais estávamos nos acostumando (O último imperador, O pequeno Buda), é um filme impressionante.
Toda a antipatia do inglês vai se diluindo pouco a pouco. E nós, que começamos odiando intensamente o personagem, terminamos por amá-lo. Intensamente.
quarta-feira, 22 de agosto de 2007
uma carta de 66 para 07, de Glauber para Jomard, do Rio para Recife (e um morto, de Portugal para o Brasil)
[Glauber Rocha. Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997]
Glauber, é claro, é Glauber Rocha. Jomard é Jomard Muniz de Brito – aquele mesmo para quem o baiano escreveu o prefácio de Do modernismo à bossa-nova, naquele distante meia-meia da missiva; aquele mesmo que um certo dia na Província dos Reis alcunhou-a (talvez com conseqüências funestas pra quem tomou ao pé da letra a licença poética) de “Londres Nordestina”.
O pernambucano, em entrevista a Carlos Adriano para a revista eletrônica Trópico, explicou a sua desconstrução geográfica, em prol de um Brasil não mais dividido entre Província e Metrópole: “João Pessoa de repente Rio de Janeiro. Olinda barbaramente Paulicéia. Natal absurdamente Londres desnorteada. Campina Grande desgovernada por Bráulio Tavares.”
Bela intenção, Jomard.
Mas, que a carta de Glauber preserva uma realidade imutável, não se pode contestar. Se fores nordestino da gema, experimentas colocar o nome do teu estado e da tua cidade no lugar do “Pernambuco do Recife”, e verás que cai como uma luva, mantendo a coerência do texto.
E Glauber?
Glauber morreu. Praticamente no exílio. Quem chegou ao Brasil na noite de 21 de agosto de 1981 foi um corpo doente, diagnosticado com pericardite viral. Durou pouco na Terra do Sol e da Embrafilme. Na madrugada do 22, há vinte e seis anos, Deus e o Diabo foram vistos na Clínica Bambina, RJ: estavam juntos, de mãos dadas, acendendo uma vela para o mais importante cineasta brasileiro.
O santo guerreiro, em detalhe de quadro de Flávio Freitas. Não, ao menos aqui não existe dragão da maldade.
"Tropical Analysis: The Films of Joaquim Pedro de Andrade"
Aliás,
Glauber foi velado no Parque Laje, cenário, entre outros, do seu Terra em transe e de Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade...
... que, aliás...
... estará com uma retrospectiva no 45th New York Film Festival, de 29 de setembro a 9 de outubro, numa das mostras paralelas – as outras são "Views from the Avant-Garde", filmes e vídeos experimentais, e "Chinese Modern: A Tribute to Cathay Studios", sobre filmes produzidos nos famosos (sic) estúdios de Hong Kong.
O Brazyl sempre em companhia exótica.
O 45th New York Film Festival tem ainda Dylan em dose dupla: I’m Not There (“a rumination on the life of Bob Dylan”) e The Other Side of the Mirror: Bob Dylan Live at the Newport Folk Festival, 1963-1965.
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
Uma ferida não cicatrizada
Sábado, apenas soube da vitória de Deserto feliz e do seu diretor, o pernambucano Paulo Caldas, em Gramado, e-meei Augusto Lula – quem, sinceramente, é difícil descrever.
Diretor de cinema? Diretor de vídeo? Poeta visual? Visionário e sonhador de um “Rio Grande sem Sorte” (como gosta de repetir, citando Bosco Lopes) com um tiquinho mais de “sorte”, espécie na produção de um cinema que espelhe nossas contradições?
Todas as descrições poderiam ser corretas.
O que é certo é que vejo em Augusto – apesar de alguns entreveros que já tivemos – alguém verdadeiramente capacitado para realizar um filme “de verdade” na Província dos Reis, seja pela sua visão de mundo, de cinema, de cultura local, seja pela sua grande experiência no vídeo comercial, seu ganha-pão diário.
As perguntas foram apenas duas: qual o significado de um estado nordestino, fora do eixo Sul Maravilha, vencer em Gramado; e, quando a sigla RN embarcará para o RS, com uma película própria na bagagem.
Augusto Lula:
“São perguntas difíceis. Primeiro, os festivais estão em decadência – no Brasil são mais de 200. Gramado envelheceu e agora tenta premiar produções mais autorais – e que, todos sabem, não terão grande público – para tentar ser o que nunca foi: cult.
“O dia que o Rio Grande sem Sorte pintar em Gramado terá sido tarde demais, ‘como se chegasse atrasado andasse mais adiante’ (Leminski).
"Os vídeos que a gente fazia naquele tempo, fim dos 80, começo dos 90, hoje ninguém conhece. Hoje, os Cineastas de Natal nem conhecem a palavra videomaker.
“Sobre fazer Cinema ‘de Verdade’, penso que o RNsS não alcançou as condições econômico-culturais para realizar uma arte que é conseqüência direta da revolução industrial. A impossibilidade de realizar de maneira mais banal uma arte do século retrasado é a ferida não cicatrizada da nossa geração.”
domingo, 19 de agosto de 2007
Tradutor italiano de Bergman mora em Natal
“Sempre tive uma grande admiração, e ainda tenho, pela sociedade sueca, pelo ‘welfare’ [state], pela social-democracia de Olaf Palme.”
Começa assim, em tom de resgate da memória perdida, a explicação de Alberto Criscuolo, passaporte italiano, cidadão do mundo, para o como veio a ser o tradutor do roteiro de O sétimo selo, a obra-chave de Ingmar Bergman.
Morando em Natal há quase dez anos, interrompidos aqui e ali por curtas temporadas em Roma, onde ainda mantém um apartamento, Criscuolo começou a aprender sueco trabalhando na fábrica da Alfa Romeo. “Três meses de trabalho duro, mas com um salário muito próximo aos dos dirigentes – o que já demonstra uma profunda justiça social.”
Alguns colegas do jovem operário italiano eram refugiados políticos, alguns da Eritréia, outros do Peru. Talvez tenha começado ali, na fria Escandinávia, junto a outros exilados oriundos de climas quentes, seu fascínio pelo sol. E sua admiração por uma sociedade mais justa e igualitária:
“Era um tratamento de primeira classe concedido a nós trabalhadores que não mais encontrei em nenhum lugar do mundo, seja pelo salário, seja pelo respeito à pessoa humana.”
Em 1988 ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade de Estocolmo e ali concluiu o doutorado. Foram oito meses, que ele define como “um período dourado”. Ao lado dos estudos, os esportes invernais e as festas universitárias ajudavam a construir uma atmosfera de alegria constante. Mesmo assim, o italiano reconhece que o sangue latino encontra ainda algumas barreiras no norte do mundo – “fica difícil, para nós, latinos, inserir-se e compartilhar completamente dos hábitos dos suecos.”
A obra de Bergman já lhe era conhecida, desde os tempos da Universidade de Roma, na Faculdade de Línguas e Literatura Estrangeira. “Fiquei logo fascinado”, lembra, especialmente pelo Det sjunde inseglet, título original de O sétimo selo. Depois do doutorado, volta a Roma, e em 1991 retorna a Estocolmo com uma idéia fixa: traduzir o roteiro. Para a sua surpresa só encontra edições em língua inglesa. Vai à Biblioteca da Universidade, vai à Biblioteca Real, nada. “Eu era prisioneiro do desejo absoluto de possuir o livro, de tê-lo vizinho, de reler algumas partes, de reproduzir na primeira pessoa os vários diálogos do filme”, escreveu no posfácio da edição italiana (Milano: Iperborea, 1994).
Encontra uma cópia do original datilografado na cinemateca do Filminstitutet. Não era permitido reproduzir nem tirar o documento da sala de leitura. Sentindo-se “um contrabandista”, copia trechos do roteiro em pequenos pedaços de papel, sem ser visto. Volta ao instituto, pede uma cópia. Sugerem que procure a editora de Bergman, a Norstedts Förlag, que consulta o diretor: “Bergman aceitou”, resume, ainda contente com o acontecido há mais de quinze anos.
Durante a tradução, Criscuolo procura respeitar as peculiaridades do texto original, que define como “muito próximo à poesia”. O roteiro apresenta diferenças evidentes em relação ao filme: “É mais rico das indicações que Bergman faz aos atores e se percebem os cortes que ele fez na versão cinematográfica.”
O tradutor não teve nenhum contato direto com o autor: “Tinha um caráter muito reservado e não quis forçar um encontro. Vivia só, numa ilha muito bela e selvagem, Fårö”.
Em 1994 sai a primeira edição de Il settimo sigillo, o 41º de uma coleção dedicada a autores nórdicos. “Até hoje é o livro mais vendido pela editora, já está na sétima edição”.
Um ano depois Alberto Criscuolo parte para o Brasil, um mês em Salvador, carnaval. “Voltei para a Itália com o ‘mal del Brasile’”, conta, numa referência cruzada à Síndrome de Stendhal, que acometia os viajantes estrangeiros diante das obras de arte italianas.
Viaja pela Amazônia, sempre só. Durante seis meses vive em Belém do Pará. Conhece todas as grandes metrópoles brasileiras. “Quando um amigo de Natal me convidou – ou fui eu quem o obrigou a convidar-me – vim conhecer a cidade.”
As lembranças de então chocam-se com a sua atual visão da cidade: “Natal em 98 era uma pequena jóia – mar, sol, as pessoas simples e hospitaleiras. Em menos de dez anos, sem um plano regulador, com arranha-céus que lembram a periferia de Roma, com um investimento pesado num turismo miserável, uma cidade sóbria e alegre, como Natal, mudou, com a chegada de grandes quantidades de dinheiro estrangeiro, lavagem de dinheiro sujo, especulações em cimento e carne humana...”
A imagem de uma cidade inteira jogando xadrez com a morte me vem em mente, enquanto Alberto continua sua reflexão sobre a perda dupla recente. “Bergman e Antonioni são os dois últimos diretores que deixam o século passado finalmente às nossas costas. Bergman nos deixa uma grande mensagem, primeiro artística, depois humana, em qualquer modo atemporal.”
O tradutor não vê muitas semelhanças entre o conterrâneo e o sueco, senão “o desejo em comum de representar a vida, enfatizando a incomunicabilidade do homem”. Enquanto Antonioni tem uma obra “mais cinematográfica”, o olhar de Bergman (“e seu coração”, acrescenta) é sempre teatral:
“É o testemunho da melhor tradição nórdica, de Ibsen, de Strindberg. Talvez o cineasta mais próximo dessa perspectiva bergmaniana seja Buñuel (basta recordar O anjo exterminador e Simão do deserto, por exemplo).”
Para Alberto Criscuolo, Blow-up é o melhor filme de Antonioni. Entre seus bergmans preferidos cita Morangos silvestres (57), O olho do demônio (60) e O rosto (58). Além, é claro, de O sétimo selo.
Em tempo: o tal “amigo de Natal”, a que se refere Alberto, é o subscrito – que, absolutamente, não se sentiu coagido a convidá-lo. Conheci Alberto, realmente, em Roma. Era fascinado pelo Brasil e me olhava com um sentimento duplo de admiração e confusão: que fazia eu ali, longe do Brasil com que ele tanto sonhava? É claro que, como nos filmes franceses, cherchez la femme – a de Alberto era uma morena, quase índia, estudante de odontologia em Belém.
Da minha parte, a primeira vez em que fui à sua casa, além de me surpreender com o gigantesco apartamento, um pequeno detalhe me chamou ainda mais a atenção: um pequeno volume de Il settimo sigilo – e a revelação de ser ele o tradutor. Era a cópia que ainda hoje tenho comigo.
Quando voltei para Natal, no final da década de 90, ele me liga um dia: estava no Brasil, a chuva diária sobre a capital paraense, o calor amazônico, os mosquitos, tudo o incomodava – é óbvio que a história de amor tinha acabado. Eu o convidei para conhecer Natal, como sempre fiz com meus amigos “estrangeiros”. Ele veio. Ficou. Vagabundou um pouco. Teve uma jangada de pesca. Trabalhou com hotéis. Foi guia para os turistas conterrâneos. Hoje comanda o Projeto Poseidon, que, além de oferecer passeios em barco a vela, incentiva a prática da natação em mar aberto. Já tem programado para o novembro próximo uma competição de 2.000 metros em Ponta Negra. “Não será apenas um evento esportivo, mas também social”, explica Alberto, que tem um desafio ainda maior a conquistar e muito mais extenso do que dois quilômetros de oceano ou um roteiro de Bergman: abrir uma escola de vela para meninos e meninas carentes.
Se Bergman está colocado à esquerda e Antonioni à direita, quem, na sua prateleira, seria o todo poderoso do cinema? Cartas eletrônicas para a redação virtual de cidadedosreis. (A presença dos diretores e filmes na foto não quer, absolutamente, induzir os leitores a nada – foram apenas escolhidos rapidamente para um retrato na parede deste sítio.)
sábado, 18 de agosto de 2007
Em Gramado
Pernambuco leva melhor diretor (júri oficial) e melhor filme (júri popular): Paulo Caldas e o seu Deserto feliz.
Quando o Ryo Grande estará presente na competição é a pergunta do final de noite.
Na Ilha de Fårö
Enterro de Bergman, hoje.
Poucas pessoas, entre elas Liv Ullmann, que chegou a viver com o diretor na ilha e foi sua atriz em sete filmes, e Bibi Andersson, 16 filmes (entre eles os comerciais para o sabonete Bris).
Como o funeral foi para poucos, você pode ver as duas atrizes em Persona, 41 anos atrás, a cara de uma, a cara da outra.
Corra pra locadora.
Amanhã, dê um pulo aqui, pra ler mais sobre Bergman.
Em Uppsala
.jpg)
diga que eu estou morando em Uppsala,
sou acendedor de velas na catedral gótica
e que meu novo nome é Erik.
Se o telefone insistir,
não tenha dúvidas, explique
que a minha mais recente invenção
foi feita no Zâmbia e que estou satisfeito
porque as moças românticas dos tongas
recitam nas praças meus poemas
quase sem sotaque.
Diga-lhes que toda busca é inútil
como uma paisagem sem cor,
e que esquecer é uma bela
apresentação do silêncio,
suas vestes e nossa morada última.
Manuela, você perdeu meu endereço
entre os recortes do jornal de ontem
convenientemente incinerados.
Talvez, eu já me chame Petrovi’c
e ganhe dólares ambiciosamente verdes
em Dublovinik, ou seja renascido
Zurbarán fazendo das aspas de touro
curvos trabalhos ornamentais
em lugar da Estremadura
certamente, Manuela, eu não nasci para ficar aqui,
Mas para ser mudança
até a derradeira mineralização,
avise, Manuela, que eu mesmo me busquei
muitas vezes nos cristais da manhã, nos espelhos baços,
na memória consangüínea,
e continuarei buscando.
Quase, certa vez, me descobri,
sob o pseudônimo aspirado de Hatzel,
o que usava cimitarras pra comer.
Hatzel, Hatzel , claro!,
ou Manuela! Manuela, bata
o meu requerimento de ausência.
Diógenes da Cunha Lima (Nova Cruz, 1937). Requerimento de ausência, in Memória das águas. Rio de Janeiro: Lidador, 2005
Em Stockholm
Não me sai da memória que estou no torrão que viu nascer Greta Garbo, que, certamente, neste momento, ainda se encontra aqui de passeio. E em cada esquina eu pressinto que a famosa estrela me vai aparecer. E realmente, mais de uma vez estaquei para ver passar, indiferentes, várias Greta Garbo sósias, e ainda mais cheias de mistério.
Jayme Adour da Câmara, Oropa, França e Bahia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933