domingo, 11 de janeiro de 2009

Solstício














Lá.


De onde vim.


Assustado, cabelos desgrenhados, sujeira debaixo das unhas, odor de lixo nas roupas.


Lá. Onde?


Lá.


Do outro lado da praia, de onde vem o vento, soprando areia, criando e desencontrando dunas.


Quando perceberam minha presença se assustaram. A mocinha de cabelo Chanel, a primeira. Olho mau. Parece que a vi, resmungando, blasfemando, agourando, enquanto se afastava por trás dos outros, espanando com os pés a areia alva e fina.


Vi quando um acendeu um cigarro. A brasa inchando, como o peito de um sapo. Ou de alguém doente, quem sabe moribundo.


Vi quando a garrafa – já pela metade – passou de mão em mão, se demorando no colo do que portava um violão de doze cordas.


Meus lábios, então, em carne viva, meus dedos marcados pelo fogo.


Sei que viram meus olhos. E a piedade que tremelicava ali, fundo do poço. Quase clemência. Perdão de quê?


Tentei falar, mas só consegui emitir grunhidos. Até eu fiquei assustado ao me ouvir.


A areia espanada pelos pés da moça de Chanel.


Tocou com a ponta dos dedos, as unhas bem-feitas e pintadas de um esmalte rosado, uma correntinha de ouro. Nosso Senhor Crucificado na ponta, pingente.


A garrafa deu mais uma rodada.


O cigarro foi apagado. Uma esteira de fumaça partiu do rapaz que parecia liderar o bando. Bem apessoado, jaqueta jeans, boné virado pra trás.


Quem é você – ouvi a pergunta. Que provocou um alerta súbito dos demais, todos tensos, mas mais fortes e seguros pelo comando implícito do chefe.


A moça de Chanel deu de costas.


Meus joelhos tocaram o chão, minhas mãos pediram água. Tão cansado estava. À minha direita estourou uma onda, levantando uma nuvem fina de sal.


Os rapazes se aproximaram. As moças ficaram pra trás, um bando de gazelas assustadas. Em torno dela.


Daonde você apareceu – nova pergunta. Desta vez num tom raivoso, entre dentes.


Os sotaques eram fortes, arrastados. A miséria absoluta. A garrafa já vazia.


Um deles me empurrou, senti a areia fina de encontro ao peito, o outro apoiou o joelho ossudo contra minhas costelas, um terceiro quebrou a garrafa numa pedra próxima, enfiou o gargalho na altura dos rins.


Ela só olhava.



Por cima do ombro.

Um comentário:

Anônimo disse...

tenebroso e triste.
olharia de frente.