[Guido Crepax]
Eu pensava que te encontraria no bar da esquina. Mas estava fechado, as cadeiras com as pernas pra cima, um gato dormindo e espalhando pêlos sobre o balcão.
Na praça, não fui, que me espantam sombras que noite sóis derramar no chão de pedras portuguesas.
Espiei cada táxi – só motoristas cansados, sonhando carneiros, uns. Outros três – em círculo, não em triângulo isósceles – fumavam baganas, os pés rodopiando espirais.
No bar da moda, apenas o bar da moda. Moças, moços. Não nessa ordem e ou seqüência. Não em gênero, número, grau.
Tudo tão tranqüilo com o vendedor de amendoins.
Com a moça das flores.
Com a cartola e a capa do mágico.
Comprei cigarros no armazém do porto. Uma puta, batom borrado. Uma puta, boca torta. Uma puta, coxas mulatas. Tafetá.
Desandei com os cigarros, como se Buenos Aires fosse. Não era rio. Não era mar. Apenas a catraia chovendo ferrugens.
Procurei entre os pomodoros do spaghetti western: Sergio Leone me piscou o olho, Clint Eastwood riscou um fósforo no solado da bota, Alex Nascimento me mandou beijinhos. Que moça adorável, Alexinho!
As nuvens apostavam corrida com o automóvel triste. O edifício tinha um nome: Étoile.
Subi e desci. O elevador fazia rumores de gato arranhando cortinas. De seda. Púrpura. Uma criança entrou no 27º. Cachinhos dourados. Asinhas nas costas. Quando se virou pra despedir um sorriso branco, deixou um odor de enxofre.
Também lá.
Dirigi a noite inteira. Oh night long. You’re the sunshine of my life. I just call to say.
Um uísque ainda na casa do velho amigo. Me serviu sem pedras. O rosto vincado. Tão agreste amizade. Mais rumor fazia um calango aquecendo rocha. Mostrou-me uma lista: teu nome de cima abaixo.
Riscamos todos. Quando a tinta acabou, passamos ao batom. A filha adolescente os havia dispensado quando optou pela careca radical e coturno pesado. Bela moça, ainda que as olheiras escuras.
Passeei ao largo, um Anjo me acompanhou, asas em movimentos tão sutis que nenhum papel rodopiou ao alto, nenhuma flor desabrochou.
Apenas te vi de relance na vitrine apagada. Por engano, era eu. Tão triste, tão só, o sobretudo abotoado escondendo as mordidas, os cabelos enganando os olhos escuros, o Anjo afagando o ar.
Quando reentrei em casa, bexiga cheia flertando com booom-bum-bang. Você se virou erguendo a coxa e desafiando os lençóis. Eu apenas entrei e saí, em tempo de ouvir da tua boca um apelo que não ouso repetir.