quinta-feira, 30 de outubro de 2008

walter f meets henri c




[Henri Cartier-Bresson, Alicante, Espanha, 1932]




Quem puxa aos seusNão degenera, nãoDegenera, nãoNão degeneraDaí meu pai disseMeu filho, esperaA inocência que háNo olhar da feraE a minha mãe, ai, aiMeu Deus,quem deraA paciência de umaLonga esperaQuem puxa aos seusNão degenera, nãoDegenera, nãoNão degeneraE a minha mãe, ai, aiMeu Deus,quem deraQuanta ciênciaQuanta primaveraDaí meu pai disseMeu filho, esperaQue a violência, meu amorJá era



[Walter Franco]

terça-feira, 28 de outubro de 2008

qualquer som e palavra [variação de parágrafos + vídeo]



me pedem que eu escreva
eu escrevo
digo
apenas não publico
me pedem que eu escreva
como se fosse indolor
como se não machucasse dedos e artelhos nos escolhos
me pedem que eu escreva
como se nada fosse
flanar pelos bairros altos
cidades ocultas
expondo as vísceras sob as costelas
nervos atados às vértebras
como se eu tivesse mil braços e mãos para segurar a longa fila de intestinos e tripas e tendões e vasos
artérias e veias
me pedem que eu escreva como se não fosse constrangedor andar por aí coberto de sangue urina e fezes
como se o mundo fosse uma incubadora anti-germens e a mim fosse dado direito e dever da impunidade e do salvo-conduto
invisibilidade de herói
mas o pior
creiam-me
o mais terrível
é ser obrigado a caminhar com a deselegância de dores crônicas tão antigas quanto o arco
tão venenosas quanto a frecha
fingindo uma elegância e estilo mui apropriados às feras entre feras
me pedem
então
que eu escreva
e eu repito
não é que não escreva
apenas não publico
porque dói caminhar sobre o fio da navalha sem direito ao desequilíbrio
sem o perdão do abismo
sem o frescor de uma esperança sempre adiada
me pedem e não sabem o que me pedem
me pedem sonhos
eu
que nunca durmo
me pedem sorrisos
eu
que nunca choro
a não ser no escuro
tarde
noite
quando o animal me empurra o peito e sufoca qualquer som e palavra.



[vídeo de poncodoma no youtube sobre spinning away de eno cale]

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

qualquer som, palavra





me pedem que eu escreva eu escrevo digo apenas não publico me pedem que eu escreva como se fosse indolor como se não machucasse dedos e artelhos nos escolhos me pedem que eu escreva como se nada fosse flanar pelos bairros altos cidades ocultas expondo as vísceras sob as costelas nervos atados às vértebras como se eu tivesse mil braços e mãos para segurar a longa fila de intestinos e tripas e tendões e vasos artérias e veias me pedem que eu escreva como se não fosse constrangedor andar por aí coberto de sangue urina e fezes como se o mundo fosse uma incubadora anti-germens e a mim fosse dado direito e dever da impunidade e do salvo-conduto invisibilidade de herói mas o pior creiam-me o mais terrível é ser obrigado a caminhar com a deselegância de dores crônicas tão antigas quanto o arco tão venenosas quanto a frecha fingindo uma elegância e estilo mui apropriados às feras entre feras me pedem então que eu escreva e eu repito não é que não escreva apenas não publico porque dói caminhar sobre o fio da navalha sem direito ao desequilíbrio sem o perdão do abismo sem o frescor de uma esperança sempre adiada me pedem e não sabem o que me pedem me pedem sonhos eu que nunca durmo me pedem sorrisos eu que nunca choro a não ser no escuro tarde noite quando o animal me empurra o peito e sufoca qualquer som e palavra.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Point of view





Alguém me disse “um dia seremos felizes”. E não fomos.

Outro me falou “então, findou-se o encanto”. E resistimos.









Fragmento de um discurso amoroso




[Egon Schiele]




“Seu corpo estava dividido: de um lado, seu corpo propriamente – sua pele, seus olhos – doce, caloroso, e, de outro, sua voz, breve, contida, sujeita a acessos de afastamento, sua voz que não dava o que seu corpo dava. Ou ainda: de um lado, seu corpo molengo, morno, na maciez exata, fofinho, se fazendo de desajeitado, e, de outro, sua voz – a voz, sempre a voz –, sonora, bem formada, mundana, etc.”

Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso










sábado, 11 de outubro de 2008

Barriga, lipoaspiração e penas de aluguel [131008]


[Susan Shimeld]



Então, o sobrescrito, colunista de quinta coluna e categoria, cometeu a maior barriga da campanha do ano da graça de dois mil e oito.

Isso foi na semana passada. Uma semana passou. Alguém se lembra? Alguém esqueceu?

Vamos aos fatos: eu disse aqui, neste mesmo bat-canal, bat-espaço, bat-coluna-e-jornal que haveria segundo turno.

Não houve.

Notícia velha, de ontem, da semana passada.

Derna então, antecipando o próximo 2 de janeiro, vivemos no melhor dos mundos, numa Graceland, numa Wonderland, num comercial da Barbie – falta só a placa de boas-vindas na entrada da cidade, BR-101, próxima ao rabo do cometa-estrela e aos Três Reis Mágicos: “Welcome to the Barbie World”.

O lugar onde as meninas têm cabelo escovado e os meninos músculos bombados.

Onde quem ainda fuma usa piteiras.

Onde quem bebe obviamente não bebe cachaça.

Onde os dentes são mais brancos, os sotaques mais pronunciados, os saltos os mais altos, as unhas mais compridas, a moda mais fashion, os vinhos mais encorpados, os champanhes mais borbulhantes. Onde os táxis são Land Rover, os pulsos pulsam Rolex, os dedos alisam a tela de iphones, comprados em Miami ou Manhattan, como exige o kit-maracatu cantado por Eliana Lima.

Lembram de “O show de Truman” (direção de Peter Weir, 1998)? O sujeito descobre que vive num reality show, tudo fake: as pessoas com quem convive são atores e atrizes, a cidade é um imenso cenário, as câmeras sempre ligadas. Truman era interpretado por Jim Carrey, aquele que fez “O Máscara”.

Mas na Wonderland nativa o show não é bem um “Domingão do Faustão”, ou um “Sex and the city”, ou um “Gossip girl”: é reality show, mesmo, abaixo da cintura, linha do Equador, meio dos Trópicos, Câncer e Capricórnio. É show de quinta, camelódromo eletrônico, vale tudo, telecatch do dinheiro. Mucha lucha.

Aí o leitor que apostou, não a cabeça, mas cem mil dinheiros ou dúzias de scotches, dirá, não sem razão: “Mas que rapaz despeitado”.

Pode ser, pode ser.

Em verdade, em verdade, vos digo, trabalhei, como profissional, na campanha de Fátima (como já trabalhei, em outras primaveras, para Lavoisier Maia, José Agripino, Geraldo Melo, Ney Lopes, Fernando Bezerra e Wilma Maia, pra citar alguns dos nativos). Não nesta coluna, mas fora dela, enfatizo. A esse trabalho dá-se o nome de marketing, não jornalismo, claro.

Mas, como cidadão, votei em Fátima e contra Micarla. Porque não acredito na capacidade da nova administração em gerenciar uma cidade que caminha, aos tropeços, rumo ao caos. A isso dá-se o nome de opinião pessoal, não jornalismo, claro.

Afinal, por que não deveria assumir, se de opiniões pessoais e interesses idem valeu-se a imprensa potyguar nesses meses de campanha? Aliás, esse papo, coisa, já encheu o saco, muito aquém de Marrakesh ou Teerã. Quem ainda acredita na isenção da mídia que bote a viola no saco e o rabo entre as pernas. Ou vá aos arquivos dos jornais e blogs. Quem ainda acredita que a ideologia sozinha move montanhas é porque também se ilude com a falácia que o dito empresariado poderia cruzar seus braços armados diante de um embate onde seus interesses e razões de ser corriam riscos. Voltando à imprensa, ela é tão livre e soberana quanto o são a livre iniciativa capitalista.

Se Micarla ganhou, viva Micarla! No sentido que, até onde se sabe, não houve nada que ponha em dúvida os resultados das urnas eletrônicas. Nenhuma falcatrua punível por lei. Maioria é maioria – e, convenhamos, boa parte das vozes dissonantes que se elevaram aos céus, especialmente depois do fato consumado, não têm do que reclamar. Chegaram bem atrasadinhas diante do leite que se derramava a olhos vistos. Alguns acharam que o PT era uma vaca sagrada que não podia misturar-se ao trânsito caótico do vai-e-vem político. Outros (os bacuraus remanescentes) acharam que o aluizismo ou o que sobrou dele não poderia nem deveria se imiscuir nem com o wilmismo nem com o petismo. Por fim, idem, idem, para a velha-guarda e juventude guerreira.

Os melhores analistas do mercado midiático dizem que foi a rejeição popular ao acórdão quem derrotou Fátima e a intrépida trupe.

O sobrescrito não acha. Eleitor – especialmente aquele que engrossa a massa faminta e famélica de tudo, a começar pela falta de Educação – não perde tempo mandando recadinhos aos todo-poderosos. (Mais, digo mais, para corrigir o azimute dos pretensos analistas: poderosos e todo-poderosos e quase-poderosos estavam espalhadas de lá e de cá – ou alguém acredita que a dona de uma emissora de TV populista, um presidente de Assembléia, dois senadores democratas, três deputados federais e a turma do concreto armado não têm poder?)

Não, crianças, não vamos nós também pedir abrigo na Ilha da Fantasia: a massa votou em Micarla porque no fundo, no fundo, prefere comer seu mísero pão nas arquibancadas do circo.



PROSA
“As pessoas de uma massa ou seu conjunto têm uma inteligência menor que suas partes constituintes.”
Christopher Hitchens
Cartas a um jovem contestador
VERSO
“Ah, minha cidade verde
minha úmida cidade
constantemente batida de muitos ventos”

Ferreira Gullar
“Poema sujo”

Bom dia, prefeita [061008]


[Susan Shimeld]


Independente do resultado de ontem – o qual obviamente desconheço, escrevendo esta coluna de véspera, feito peru de Natal – alguém há de saudar uma das duas candidatas, hoje, ao raiar do sol primaveril, com a saudação típica dos otimistas madrugadores: Bom dia, prefeita!

Assim, no feminino.

Porque – ao menos que o mundo tenha tomado um rumo ainda mais vertiginoso do que realmente vem tomando – ou Micarla de Sousa venceu o escrutínio de ontem, ou foi Fátima Bezerra quem contrariou as pesquisas e os muezins midiáticos deste voraz Arraial de Palumbo, a grande maioria mui bem engajada em vender gato por lebre e no exercício diário de tapar o sol com a peneira.

Independente do exotismo da segunda possibilidade apontada, há uma certeza: os outros seis candidatos, todos varões, foram solenemente ignorados pela plebe, massa eleitoreira.

Há, ainda, uma terceira possibilidade em que o sobrescrito aposta – sem querer passar-me por pitonisa de beira de calçada de restaurante self-service: segundo turno, pois.

Contrariando o Sr. Edgar Allan Poe, que recomendava em um de seus contos nunca apostar a cabeça com o diabo, eu apostaria a minha com o tinhoso – pagando, quem sabe, com uma “barriga” – que a manchete deste e de outros jornais amanhecem o dia de hoje com ao menos duas palavras em comum: “segundo” e “turno”.

O que, decerto, não invalida o augúrio matutino: seja a Sra. Fátima Bezerra, seja a Sra. Micarla de Sousa, cada qual terá alguém para pronunciar as palavrinhas mágicas tão logo se ponham em pé depois da batalha dominical. Afinal, passaram pelo coador do primeiro turno, a possibilidade de vitória se aproxima e o séquito que as acompanha há de querer injetar-lhes doses de ânimo antecipando a próxima eleição.

Ou seja, Natal terá sua segunda prefeita mulher.

Se isso faz alguma diferença, não faço a menor idéia.

*

EM TEMPO

Vamos ao lugar-comum: provavelmente até os paralelepípedos do largo do Atheneu sabem que o sobrescrito participou – profissionalmente, como redator, não como jornalista – do marketing de Fátima. Como eu meti na frase anterior um “provavelmente” não custa pingar os is.

E lembrar-vos de Cláudio Abramo: “No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer outra coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista.”



PROSA
“Com o que acontece é nós exultante.”
Julio Cortázar
A volta ao dia...

VERSO
“Agora já sabemos que a única certeza se engendra
naquilo que nos ultrapassa.”
Lezama Lima
“A partir da poesia”

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Botelha/Tábula




NAUFRAGO PRESO AA TI





Cidade dos Reis, october 2s week

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Norte/Sul




EU BEBO AA SOLIDÃO DE PASSAGEM




São Miguel do Gostoso, october 1st weekend