[Susan Shimeld]
Então, o sobrescrito, colunista de quinta coluna e categoria, cometeu a maior barriga da campanha do ano da graça de dois mil e oito.
Isso foi na semana passada. Uma semana passou. Alguém se lembra? Alguém esqueceu?
Vamos aos fatos: eu disse aqui, neste mesmo bat-canal, bat-espaço, bat-coluna-e-jornal que haveria segundo turno.
Não houve.
Notícia velha, de ontem, da semana passada.
Derna então, antecipando o próximo 2 de janeiro, vivemos no melhor dos mundos, numa Graceland, numa Wonderland, num comercial da Barbie – falta só a placa de boas-vindas na entrada da cidade, BR-101, próxima ao rabo do cometa-estrela e aos Três Reis Mágicos: “Welcome to the Barbie World”.
O lugar onde as meninas têm cabelo escovado e os meninos músculos bombados.
Onde quem ainda fuma usa piteiras.
Onde quem bebe obviamente não bebe cachaça.
Onde os dentes são mais brancos, os sotaques mais pronunciados, os saltos os mais altos, as unhas mais compridas, a moda mais fashion, os vinhos mais encorpados, os champanhes mais borbulhantes. Onde os táxis são Land Rover, os pulsos pulsam Rolex, os dedos alisam a tela de iphones, comprados em Miami ou Manhattan, como exige o kit-maracatu cantado por Eliana Lima.
Lembram de “O show de Truman” (direção de Peter Weir, 1998)? O sujeito descobre que vive num reality show, tudo fake: as pessoas com quem convive são atores e atrizes, a cidade é um imenso cenário, as câmeras sempre ligadas. Truman era interpretado por Jim Carrey, aquele que fez “O Máscara”.
Mas na Wonderland nativa o show não é bem um “Domingão do Faustão”, ou um “Sex and the city”, ou um “Gossip girl”: é reality show, mesmo, abaixo da cintura, linha do Equador, meio dos Trópicos, Câncer e Capricórnio. É show de quinta, camelódromo eletrônico, vale tudo, telecatch do dinheiro. Mucha lucha.
Aí o leitor que apostou, não a cabeça, mas cem mil dinheiros ou dúzias de scotches, dirá, não sem razão: “Mas que rapaz despeitado”.
Pode ser, pode ser.
Em verdade, em verdade, vos digo, trabalhei, como profissional, na campanha de Fátima (como já trabalhei, em outras primaveras, para Lavoisier Maia, José Agripino, Geraldo Melo, Ney Lopes, Fernando Bezerra e Wilma Maia, pra citar alguns dos nativos). Não nesta coluna, mas fora dela, enfatizo. A esse trabalho dá-se o nome de marketing, não jornalismo, claro.
Mas, como cidadão, votei em Fátima e contra Micarla. Porque não acredito na capacidade da nova administração em gerenciar uma cidade que caminha, aos tropeços, rumo ao caos. A isso dá-se o nome de opinião pessoal, não jornalismo, claro.
Afinal, por que não deveria assumir, se de opiniões pessoais e interesses idem valeu-se a imprensa potyguar nesses meses de campanha? Aliás, esse papo, coisa, já encheu o saco, muito aquém de Marrakesh ou Teerã. Quem ainda acredita na isenção da mídia que bote a viola no saco e o rabo entre as pernas. Ou vá aos arquivos dos jornais e blogs. Quem ainda acredita que a ideologia sozinha move montanhas é porque também se ilude com a falácia que o dito empresariado poderia cruzar seus braços armados diante de um embate onde seus interesses e razões de ser corriam riscos. Voltando à imprensa, ela é tão livre e soberana quanto o são a livre iniciativa capitalista.
Se Micarla ganhou, viva Micarla! No sentido que, até onde se sabe, não houve nada que ponha em dúvida os resultados das urnas eletrônicas. Nenhuma falcatrua punível por lei. Maioria é maioria – e, convenhamos, boa parte das vozes dissonantes que se elevaram aos céus, especialmente depois do fato consumado, não têm do que reclamar. Chegaram bem atrasadinhas diante do leite que se derramava a olhos vistos. Alguns acharam que o PT era uma vaca sagrada que não podia misturar-se ao trânsito caótico do vai-e-vem político. Outros (os bacuraus remanescentes) acharam que o aluizismo ou o que sobrou dele não poderia nem deveria se imiscuir nem com o wilmismo nem com o petismo. Por fim, idem, idem, para a velha-guarda e juventude guerreira.
Os melhores analistas do mercado midiático dizem que foi a rejeição popular ao acórdão quem derrotou Fátima e a intrépida trupe.
O sobrescrito não acha. Eleitor – especialmente aquele que engrossa a massa faminta e famélica de tudo, a começar pela falta de Educação – não perde tempo mandando recadinhos aos todo-poderosos. (Mais, digo mais, para corrigir o azimute dos pretensos analistas: poderosos e todo-poderosos e quase-poderosos estavam espalhadas de lá e de cá – ou alguém acredita que a dona de uma emissora de TV populista, um presidente de Assembléia, dois senadores democratas, três deputados federais e a turma do concreto armado não têm poder?)
Não, crianças, não vamos nós também pedir abrigo na Ilha da Fantasia: a massa votou em Micarla porque no fundo, no fundo, prefere comer seu mísero pão nas arquibancadas do circo.
PROSA
“As pessoas de uma massa ou seu conjunto têm uma inteligência menor que suas partes constituintes.”
Christopher Hitchens
Cartas a um jovem contestador
VERSO
“Ah, minha cidade verde
minha úmida cidade
constantemente batida de muitos ventos”
Ferreira Gullar
“Poema sujo”