segunda-feira, 27 de outubro de 2008

qualquer som, palavra





me pedem que eu escreva eu escrevo digo apenas não publico me pedem que eu escreva como se fosse indolor como se não machucasse dedos e artelhos nos escolhos me pedem que eu escreva como se nada fosse flanar pelos bairros altos cidades ocultas expondo as vísceras sob as costelas nervos atados às vértebras como se eu tivesse mil braços e mãos para segurar a longa fila de intestinos e tripas e tendões e vasos artérias e veias me pedem que eu escreva como se não fosse constrangedor andar por aí coberto de sangue urina e fezes como se o mundo fosse uma incubadora anti-germens e a mim fosse dado direito e dever da impunidade e do salvo-conduto invisibilidade de herói mas o pior creiam-me o mais terrível é ser obrigado a caminhar com a deselegância de dores crônicas tão antigas quanto o arco tão venenosas quanto a frecha fingindo uma elegância e estilo mui apropriados às feras entre feras me pedem então que eu escreva e eu repito não é que não escreva apenas não publico porque dói caminhar sobre o fio da navalha sem direito ao desequilíbrio sem o perdão do abismo sem o frescor de uma esperança sempre adiada me pedem e não sabem o que me pedem me pedem sonhos eu que nunca durmo me pedem sorrisos eu que nunca choro a não ser no escuro tarde noite quando o animal me empurra o peito e sufoca qualquer som e palavra.

2 comentários:

Anônimo disse...

Os leitores de cidadedosreis também pedem que escreva, e, publique.

Anônimo disse...

faço coro: mesmo que machuque, escreva e publique. seus leitores gostam...