sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

pater nostrum

Não vou lembrar meu pai à beira do túmulo, amarrado a fios tubos colchão de água. Não vou lembrar sua barba por fazer, seu rosto macerado, a flacidez dos músculos, o olho cego. Não vou lembrar seu silêncio seus gritos seu desespero diante da vida que abandonava. Não vou lembrar como não me reconheceu, nem me disse que amava, nem da mão que não pôs em minha cabeça e não abençoou. Não vou lembrar a tristeza das cadeiras de rodas, as ambulâncias exangues, os corredores mortos. Não vou lembrar. Recuso-me lembrar o dia em que arrastou os passos e apoiou as mãos nas paredes. Recuso-me recordar o telefone mudo o criado-mudo mudo o estéreo sem voz. Recuso-me pensar. Não quero comer não quero dormir não quero sair nem conversar. Não quero ver gente. Não quero aprender uma nova equação matemática. Desconsidero tudo que não me esconda dos olhos da multidão.

Invés.

Apóio-me na armação escura de seus óculos na tensão enérgica de seu braço no abraço quente do seu peito em chamas cálidas. Reencontro-o no fim do corredor, na soleira do seu quarto, aos pés da extensão do telefone vermelho, os pés plantados em chinelos macios, as mãos cruzadas diante dos joelhos, as costas curvas e toda atenção que um pai é capaz de dedicar ao filho. Reencontro-o entre os tijolos da construção, que ergueu, como a mim contra o céu azul, pedra fundamental das memórias vivas e em sonho sonhadas. Reencontro-o na alegria interna de automóveis pueris – um Fusca azul, uma Variant prata, uma Brasília branca, um Fiat 147 bege. Revejo-o sobre a areia molhada, solitário, os braços abertos abraçando nuvens. Procuro-o na palavra que conforta, no sorriso que revigora, no olhar tangerino de perspectivas, à cabeceira da mesa, oração, alimento, desjejum, busco-o na sua eterna presença.

Sou feliz.

2 comentários:

Mme. S. disse...

boas (des)lembranças. E boas escolhas. falando nisso, finalmente comprei as Cartas! Um beijo, amigo, S.

ledzep disse...

No mais alto dos silêncios, estaremos na mente e coração daqueles que nos amam. Seu pai ainda esta e sempre estará com você. Jamais deixaremos de lembrar e ser lembrados por eles, seja neste plano ou em outro qualquer. Sim!!! Você é feliz. Você também é pai. Abraços ledezeppelinianos.