terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Au revoir, Levino [030108]


O titular desta coluna – até ontem – não será nem o primeiro nem o último a pegar um pau-de-arara e se mandar, malas e cuias, pro Sul Maravilha. Enfant terrible do jornalismo cultural potiguar, ainda mais no ano que findou graças ao qüiproquó com Madame Hilneth Correia, Levino parte, deixa saudades e porta deste novo titular, egresso do banco de reservas, os melhores votos de um futuro alvissareiro longe das pendengas paroquiais.

“Plus ça change, plus c’est la même chose”, na cartilha de um autor francês que aqui pouco importa o nome mas a tradução: “Isso quanto mais muda, mais fica a mesma coisa”. Só para lembrar uns muitos que de aqui também partiram em busca da terra prometida, a começar pelo mossoroense Dorian Jorge Freire: “Sou um jovem. Vacinado, reservista, datilógrafo e sem qualquer religião ou dependência política. Não possuo nada além de uma vontade obsessiva de vencer, de fazer alguma coisa, de empregar minha vida em algo útil”, escreveu Jorge Freire a Edmar Morel, jornalista da Última Hora, de Samuel Wainer.

“Tenho meu nome respeitado”, prossegue missiva e missivista. “Embora moço, sabem todos que não temo dizer a verdade, que não me vendo a qualquer interesse, que, pobre, sei ser independente à custa dos maiores sacrifícios. Já tive a felicidade de ver meus trabalhos aplaudidos e atacados violentamente”.

A carta tem mais de meio século de vida mas preserva os mesmos lugares comuns do migrante – reconhecimento, aplausos, apupos? “Infelizmente, isso não é tudo e eu quero mais. Estou resolvido a sair de Mossoró, a emigrar. São Paulo. É uma aventura, bem o sei. Mas preciso o salto. Do contrário viverei sempre aqui, aqui casarei, aqui terei uma mulher muito bondosa, filhos remelentos, um ordenado ‘compensador’ e só. Paz campesina que não me interessa. Ramerrão que me entendia. Prefiro a luta. Os embates. Por isso pretendo arribar ainda este ano. Lá por dezembro”, quase conclui Dorian – que voltaria anos depois, entrando para a história do jornalismo nacional.

Também dez anos depois da carta do mossoroense, arribava mais um jornalista, desta vez num navio cargueiro: Sanderson Negreiros. Deu com os costados na Cidade Maravilhosa, trabalhou nas revistas Manchete e Visão. Voltou.

Um dos amigos presentes na despedida do cais era Berilo Wanderley, que chegou a viver em Madri, na Espanha, e voltou: “E vendo quanto o meio marca o espírito de um homem, desde que voltei, procuro sair de Natal”. Não saiu. Vez por outra fugia dos ossos do ofício. De Berilo, Luís Carlos Guimarães ouviu o comentário na redação do jornal, anos 60: “Um dia desses não se pode entregar ao patrão”. Era um sábado, o porre foi daqueles, monumentais, a ressaca durou até a serem despedidos, na segunda-feira, por Woden Madruga. “Passada sua ira, voltamos ao trabalho, uma semana depois”, recordaria Luís Carlos, anos depois com Berilo já morto.
Dos que foram e ficaram, Homero Homem e Moacy Cirne. Dos que nunca desejaram partir, Luís da Câmara Cascudo, provinciano incurável, maior-de-todos, como um dos dedos da mão que acena saudades.

AVE DE ARRIBAÇÃO
Todas essas lembranças, espanar da poeira passada, não tem a intenção do desânimo à nova ave de arribação, asa emigrante em fuga pelos ares. Como já diagnosticava João Batista de Morais Neto em Temporada de Ingênios e outros, de 2006, o “que faz o moço do interior, de dentro da caatinga, bendizer o sol e, ao vislumbrar a rala vegetação em volta, imaginar e viver os lugares grandes e populosos, lugares diferentes que estão além de sua morada” é o desejo, ânsia cosmopolita de partir, como por sua vez cantava Ferreira Itajubá cem anos atrás, “em busca do calor do sol de um clima alheio”. Ou Othoniel Menezes, fazendo da Jamaica sua Pasárgada, para onde parte num “pau-de-arara analfabeto”. Tudo que vai, volta, resume Morais Neto: “ele ganha chão, ganha pão entra e sai, pergunta, responde, circula e volta para o seu lugar seco de pedra. É o círculo, natural. Ciclo cósmico e telúrico.”

Nem adianta desejar a Rodrigo Levino a benção do anjo torto drummondiano ou do louco torquatonetiano. Gauche ele já é. Gauche ele não é. As ilusões, provavelmente, não se perderam simplesmente por nunca terem existido. Levino é de uma geração além de Drummond e de Torquato Neto, ledora dos dois. Não cabe, tampouco, o recado piegas, lacrimogêneo, do filme Cinema Paradiso – “Nunca volte, nunca volte”, como o corvo de Poe numa adaptação para os exilados.

Rodrigo Levino – é indiscutível – foi responsável por um dos acontecimentos marcantes do ano que passou: ao denunciar o patrocínio estadual a uma festa privada provou que o patinho feio do jornalismo e das administrações governamentais, a Cultura, pode e, muitas vezes deve ser analisada por um viés político. Daí que muita gente provavelmente deve respirar aliviada com sua partida, e, por motivos opostos, outros desejem seu breve regresso. Ou seja, tem lugar garantido, aqui e alhures.

Quanto a mim, só me resta desejar que seja feliz, lá ou cá, e que cumpra o preceito de Horácio: “Mudam de céu, não de alma, os que correm além do mar.”



PROSA
A geometria tem mistérios: o mundo é redondo mas seus habitantes são chatos.
Alex Nascimento
A última estação
VERSO
Que saudade, sem fim, de outras terras me veio!
Que ânsia de me esquecer por estranhos lugares!...
Ferreira Itajubá
“Ave de arribação”

2 comentários:

Rodrigo Levino disse...

esse texto virou quadro aqui em casa. é verdade.

Capitão-Mor disse...

Gostei muito do artigo dele sobre os Òscares 2008, publicado na ediçãod e domingo da Tribuna do Norte.