quarta-feira, 12 de março de 2008

Satyricon [100308]



Quero envelhecer como Woden Madruga e Nei Leandro de Castro. Se preciso for, lavro esta crônica, texto, declaração, ata, em cartório. Com as testemunhas juramentadas que o serviço exige, com as despesas pagas sem titubear ou regateio.

Sexta-feira passada os meninos estavam lado a lado nas páginas da Tribuna do Norte. Aliás, na mesma página. Woden em sua coluna de praxe, Nei, em seu artigo idem.


Por trás de sua barba branca, o primeiro, por trás de sua barba branca, o segundo. Woden, com seus olhinhos míopes, é um encanto. Normalmente, parece brabo, para quem o lê. Não é. É quase uma moça de fino trato, no trato pessoal. Nei, por trás dos óculos de fundo de garrafa, é bem mais agressivo, em texto e especialmente ao vivo, verbeloqüente. Se Woden é a metáfora da bondade e da pureza, Nei é a mão suja conspurcando bondade e pureza – um é o galante, fala mansa, gestos contidos, timidez arcaica; o outro é o bruto a desvirginar a moça.

Um, se esconde normalmente por trás da aridez da crônica cotidiana diária, mas termina revelando uma poesia sutil e enamorada; o outro, revela em poemas avassaladores, ou naquilo que pode ser definido como crônica poética, a aridez do desejo impaciente dos machos, mais que enamorados, sedentos.

É isso: enquanto um limpa educadamente os beiços à mesa, o outro faz questão de manchar o guardanapo e exibi-lo aos comensais.

É isso, também: um é sutil, o outro, matador. No país de Nei Leandro, os fracos como Woden não têm vez.

Vez por outra se embaralham, o que vale para um passa a valer pro outro, que as fronteiras a isso servem: para ser sacaneadas.

Mas, sexta-feira passada, se mostraram, ambos, faunos, sátiros, caprinos. No bom sentido, claro, se é que possa existir seu oposto (algumas mulheres podem detestar a devoção que emprestam ao gênero feminino – mas no final até mesmo essa minoria se rende conto do quão necessário e urgente é, sermos assim). Uma espécie de novo alvorecer do macho moderno, que, dizia-se, há muito adentrou na sombra obscura do crepúsculo.

Duvidam? Não entendem? Eu explico, usando as palavras dum, e doutro.


WODEN:
“Lá pras tantas houve, de
repente, uma visão que fez silenciar a mesa. Uma bela jovem atravessa o pátio
ensolarado do Iate - estava de biquíni - e entra na piscina. Foi uma entrada
calma, como se estivesse experimentando a temperatura da água. Deu duas, três,
quatro braçadas. Deixou-se se molhar bem devagarinho e a partir daí, ficou
praticando, em pé, projetando o dorso (que dorso!) para fora, uma série de
pulos, pulinhos, harmoniosos, um, dois, três. Desconfio que pisava com as pontas
dos pezinhos o piso raso da piscina. Aqui e acolá, repetia: duas, três, quatro
braçadas, um nado suave. De novo, os pulinhos. Um, dois, três. Graciosos. Que
dorso! Quer cor. Sol, sal, bronze. E nesse ritmo se passaram duas horas
cronometradas pela distinta platéia. Assim como chegou, saiu. Perguntei para a
mordoma do Iate quem era a princesa grega. Não soube informar.”



NEI:
“Numa tarde de solidão quase infinita, a
poesia surgiu diante de mim, me pegou pela mão e saímos juntos. Levou-me
correndo para as falésias manchadas com o vermelho desbotado do anticrepúsculo,
e eu percebi claramente que a poesia tinha corpo de mulher, ternura de mulher,
magia de mulher. Beijou-me na boca, despiu-se e disse que queria ser amada não
como usualmente se ama a poesia, mas como se ama uma mulher cheia de desejos. A
poesia tinha uma cabeleira escura, os seios apontando para o infinito e os seus
lábios tremiam. Começamos a trocar carícias e eu jamais poderia imaginar que a
poesia fosse tão bela, tão deslumbrante, quando se despe totalmente. A poesia me
lançou nardos e dardos de doçura, gemeu e os seus gemidos foram tão fortes que,
a muitas léguas dali, um homem à beira do suicídio despertou para a vida e
escreveu uma ode ao amor.”


CONCLUSÃO

O sátiro Nei, o fauno Woden: não os conheço intimamente, nem um nem outro. Se me atrevo a escrever sobre eles é porque cresci acompanhando suas trajetórias, na imprensa e na vida social da província – que há pouco mais de uma década era ainda mais provinciana, e os ares, mais frescos, mais limpos, o céu com mais estrelas, as várzeas com mais flores, os bosques com mais vida, e a vida, claro, bem mais pródiga de amores.

Voltando da digressão poética e resumindo: se me atrevo a abordá-los é porque são celebridades. Muito antes da Caras e do neo-colunismo social. E enquanto tal, nada podem reclamar dos paparazzi-de-letras feito eu. Quanto aos seus perfis – e para livrar-me de possível responsabilidade penal – qualquer semelhança com a realidade é mera licença poética.

Daí que eu, na minha meia-idade, declaro, em sã consciência e com um tiquinho de inveja e esperança (e sem pingo de ironia), que desejo envelhecer como eles: admirando as moças na piscina, cavalgando musas, deixando-me trespassar por nardos e dardos de doçura. E escrevendo – que, desde sempre, para outra coisa somos inúteis.









PROSA
“As três meninas que me visitam ficaram todo o tempo puxando as reduzidas mini-saias, atraindo, pelo gesto insistente, meu olhar distraído para a palpitante topografia exibida.”
Câmara Cascudo
Na ronda do tempo
VERSO
“A beleza da menina
Chamou a minha atenção”

Moysés Sesyom

Um comentário:

Capitão-Mor disse...

Nei Leando de Castro foi uma das minhas descobertas interessantes nesta terra...