terça-feira, 9 de junho de 2009

Work in progress





O inferno somos nós mesmos. Me falou. Não. Não me falou. Foi mensagem que chegou no visor escuro do celular, no instante em que a porta se abria deixando passar vento frio. Desde que a conheci há sempre uma porta sendo aberta e um vento de través. Gélido. Glacial. Me dirá. É o tempo. A estação. Inverno. Eu sorrio. O inferno somos nós. Passa o vento e arrasta folha dobrável. O estacionamento é morada de curvas. Há sempre folha dobrável se metendo debaixo do carro. Eu me agacho. Olho. Como fiz pela manhã. Há um vazamento d’óleo. Espesso. Grosso. Deixei crescer um bigode. Faz acerto com o chapéu. A gravata. A capa. Eu olho novamente. Me inclino. Pinga o líquido escuro sobre o papel amarrotado. Ah, o vento frio. Porta que se abre. Mecanismo automático. Monto o rifle em trinta segundos. O metal esfria meus dedos. A manhã não é agora. A manhã se deixou levar, como folha dobrável se arrastando entre automóveis estacionados. Pinga. Gravata. Chapéu. Capa. O inferno é sermos nós mesmos. Meto as mãos nos bolsos. Tiro fora o celular. A mensagem parpadeia. [continua]
[Ilustração de uma HQ, não lembro quem]

Um comentário:

Lívio Oliveira disse...

Beleza! Bem escrito.Criativo. Quero ver a continuação...