foi esse o bilhete que encontrei ontem num biscoito chinês da sorte.
Ontem.
Mas só hoje abri.
Comi.
Sabor de nada, cavaco chinês.
Dizia o texto:
“Aja com humildade para que o outro se aproxime.”
É um bom conselho. Independente da atração sobre o outro, e mesmo se um outro houver.
Mastiguei, mastiguei, mastiguei.
Meu avô: recomendava mastigar mais de trinta vezes.
No dezesseis eu já estava pedindo arrego e engolindo tudo, pasta transformada ou não.
Meu avô também ralhou comigo um dia, no roseiral. Tinha um roseiral em sua casa, diante da garagem. Meu avô, quando comprava uma casa, exigia uma garagem. Nunca teve automóvel. É para valorizar o imóvel, dizia. E esta, agora? Diante da garagem, plantou um roseiral. Eu olhava para as rosas, mas as rosas não olhavam para mim. Neste dia, eu era um menino triste. Olhos tristes, boca triste. Que mais, triste? Os dedos? A camiseta? Não era por que as saúvas estavam devorando as rosas e as folhas verdes das roseiras. Sempre hão de existir saúvas num roseiral. Disso eu sabia. Só não sabia que não se podia deixar o chinelo emborcado. Dava azar. Dá azar, meu avô disse. Raios nervosos partiam dos seus olhos. Os adultos podem ser tão cruéis com uma criancinha.
Mas não, não chorei. Em vez, fiquei olhando as chinelas emborcadas. Imaginei que as formigas as transportariam para longe, ainda viradas, longe dos olhos do meu avô.
Se eu agisse com humildade naquele dia meu avô me daria uma surra com as chinelas.
É assim a vida.
Sem essa, biscoitinho da sorte: Não acredito em você.
Mas continuo acreditando em garagens, onde, diante delas, se plantam rosas. Sem perfume.
3 comentários:
conheço a do chinelo emborcado e até hoje acho que dá azar. (rs). não pelo biscoito chinês, mas acho que a humildade nos faz menos tristes.
também não deixo chinelo virado
(emborcado, como se diz por aqui) de jeito nenhum. aprendi com minha avó...
eu chegava a ter medo dos presságios de um chinelo virado: acho que já era o meu avesso, me revolvendo toda. beijos querido, S.
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