sexta-feira, 4 de julho de 2008

O primeiro cão [010708]



[Lord Byron, Mary Chaworth e Boatswain, pintados por Ford Madox Brown]




Perto daqui Estão depositados os despojos daquele Que possuía
Beleza sem Vaidade, Força sem Insolência, Coragem sem Ferocidade, E todas as
virtudes do Homem sem seus Vícios. Este elogio, que seria uma Adulação sem
sentido Se escrito fosse sobre Cinzas humanas, É somente um justo tributo à
Memória de BOATSWAIN, um CÃO Que nasceu em Newfoundland em maio de 1803, E
morreu em Newstead, em 18 de novembro de 1808.


Lord Byron


Me deram o primeiro cão quando eu já não precisava dele: a solidão daquele período vagamente obscuro entre a infância e a adolescência cedia espaço às primeiras certezas e afirmações – embora vagas – daquele outro período igualmente ambíguo entre a adolescência e a maturidade.

Daí que batizei-o (batizamos, eu e meu irmão) de Ozzy. Ozzy Osbourne, se é que vocês me entendem. Não? Ozzy (Osbourne) era o vocalista do Black Sabbath. “Paranoid”, “Vol. 4”, “Sabbath Bloody Sabbath”, sacam? Ainda não? Não importa, reza a lenda que Osbourne, na altura do palco feericamente iluminado, abocanhou um morcego com os dentes, em pleno vôo.

Ozzy (o cão) era um dobermann. Preto, raias marrons escuras em pontos estratégicos do seu corpo bem desenhado. Não era, absolutamente, um cão feroz. Brabo. Ou raivoso. Era o cão de um menino que deixava de ser menino – daí que os papéis se inverteram e era ele, o cão, o solitário a precisar de um amigo.

Mas como todo bom companheiro, nunca reclamou. Nunca encheu o saco, nunca latiu chamando atenção, nunca fez aquele cara de cãozinho triste e abandonado, nunca babou clamando carinho.

Foi o cão certo na hora errada. Para ele, para mim.

Quando precisou ser doado – mudança, casa, quintal, apartamento etc – eu lavei as mãos, vergonhosamente, nem ao menos fui despedir-me dele. Disseram que foi para uma fazenda, sítio, granja. Nunca me perguntei, nem a ninguém, se era bem alimentado, bem tratado, bem amado. Um dia, soube que tinha morrido. Dessa vez, nem a mim mesmo perguntei o que eu sentia.

Hoje, nessa manhã tão luminosa e pouco adapta a nostalgias, desejo que tenha ele, ali, em meio às árvores do campo, reencontrado o menino que não fui.


Um comentário:

Anônimo disse...

Mario, bom pra cacete o café italiano mexido com dedo potiguar-universal! Mande pra cá!

capri