sábado, 30 de agosto de 2008

Malattia




Imagino que o pontapé inicial foi durante uma chuva rápida. Rápida, mas intensa. Os pingos grossos castigando a malha da camisa, o jeans da calça, as sandálias de couro mergulhando nas poças que se formaram na rapidez do inverno.


Daí para que se manifestasse foi questão de um dia, vinte e quatro horas. E o primeiro sintoma deu-se abaixo dos olhos, numa coceira sem coçar, num cansaço sem canseira, num arrependimento sem perdão.


Veio então, clássica, a velha moleza no corpo, indefinição para um estado que é também d’alma, além da carne torturada.


Prostração. Seria um bom resumo do quadro. Clínico.


No terra-a-terra, no comum, no vulgo, vale o dito: adoece o corpo por pura insatisfação do espírito.


E, à febre, são preferenciais as horas crepusculares. Quando o dia some e a noite se instala com seus temores. Hora de se apagar, se extinguir, morrer um pouco, dose diária e homeopática – que de morrer, não se morre duma única vez.


Morre-se um pouco, a cada vez. Morre-se, também, para reencontrar uma réstia de infância atravessando a cortina e ressaltando as sombras, pátina que o tempo empresta às coisas, como empresta ao epitélio. Morre-se, também, e preferencialmente, na penumbra de um quarto solitário. Num prédio silencioso. Numa rua vazia. Num bairro movimentado. Numa cidade efervescente. Num país em chamas. Num grão de poeira à deriva.


Morre-se, às vezes, para se saber vivo.


Um comentário:

Mme. S. disse...

eu vejo uma prosa tão poética que dá até vontade de morrer um pouquinho também. mas de satisfação.
cheiro, moço. S.