Imagino que o pontapé inicial foi durante uma chuva rápida. Rápida, mas intensa. Os pingos grossos castigando a malha da camisa, o jeans da calça, as sandálias de couro mergulhando nas poças que se formaram na rapidez do inverno.
Daí para que se manifestasse foi questão de um dia, vinte e quatro horas. E o primeiro sintoma deu-se abaixo dos olhos, numa coceira sem coçar, num cansaço sem canseira, num arrependimento sem perdão.
Veio então, clássica, a velha moleza no corpo, indefinição para um estado que é também d’alma, além da carne torturada.
Prostração. Seria um bom resumo do quadro. Clínico.
No terra-a-terra, no comum, no vulgo, vale o dito: adoece o corpo por pura insatisfação do espírito.
E, à febre, são preferenciais as horas crepusculares. Quando o dia some e a noite se instala com seus temores. Hora de se apagar, se extinguir, morrer um pouco, dose diária e homeopática – que de morrer, não se morre duma única vez.
Morre-se um pouco, a cada vez. Morre-se, também, para reencontrar uma réstia de infância atravessando a cortina e ressaltando as sombras, pátina que o tempo empresta às coisas, como empresta ao epitélio. Morre-se, também, e preferencialmente, na penumbra de um quarto solitário. Num prédio silencioso. Numa rua vazia. Num bairro movimentado. Numa cidade efervescente. Num país em chamas. Num grão de poeira à deriva.
Morre-se, às vezes, para se saber vivo.
Um comentário:
eu vejo uma prosa tão poética que dá até vontade de morrer um pouquinho também. mas de satisfação.
cheiro, moço. S.
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