sexta-feira, 29 de maio de 2009

Watteau, Elias




Watteau, Plaisirs d’amour, 1719





No caso, porém, do mito moderno da
viagem à ilha do amor, não se trata de uma utopia das classes trabalhadoras que
imaginam para si mesmas uma sociedade melhor no futuro, mas de uma utopia ao
gosto de um público predominantemente aristocrático, da corte, que, na medida do
possível, prescindia do trabalho profissional para ganhar a vida.
[...]
Em
vez do santuário real, a imagem da ilha de Citera aparece como símbolo de um
fictício santuário do amor, alvo de peregrinação para jovens casais, tornando-se
o símbolo de uma imagem do desejo, uma utopia secular.
[...]
O santuário
da atemorizante e auspiciosa deusa do amor transforma-se na imagem onírica de um
lugar de peregrinação para casais de amantes que querem viver as alegrias, e não
as dores, do amor.
[...]
Por isso mesmo, tempos antes, havia sido sugerida
a hipótese [...] de que o quadro não deveria ser entendido como uma partida para
a ilha do amor e sim, ao contrário, como uma partida da ilha do amor. A
propósito, era mencionado como uma das razões para essa hipótese o fato de que
uma das jovens do quadro de Watteau permanecer de costas para o barco e, assim
se concluía, parecer hesitar em se dirigir para ele. [...] É, se assim se pode
dizer, a representação mimética da hesitação da jovem – entre o flerte e o medo
– em pleno jogo do amor.


[Norbert Elias A peregrinação de Watteau à ilha do amor, tradução de Antonio Carlos Santos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006]



Um comentário:

Maria disse...

Como outros, trata-se de um excelente ensaio do autor, então octogenário.Uma tela,ressignificados, consumo simbólico ou simples constatação do poder mobilizador da arte.Obrigada pelo presente!(scusami, sei que não é, mas tomo como meu)