segunda-feira, 12 de maio de 2008

A melhor banda de rock do planeta [120508]




O título é pomposo, sei. Mas a Alcatéia Maldita bem o merece. Não que signifique muita coisa, vindo desta coluna dos cafundós do planeta. Qualquer bandinha já recebeu prêmios mais consagradores, inclusive por essas bandas, digo, cafundós. Mas a Alcatéia faz jus ao adjetivo que a define, que a torna única – e passa ao largo dessas feiras paroquiais e universais de vaidades contemporâneas.

Maldita.

Dia desses, pra ser exato, o último oito de maio, dia do artista plástico, entraram no palco do TCP, o teatrinho de cultura popular da Fundação Zé Augusto. Raul, Franklin, Fidja, Julinho e Johnson. Voz, guitarra, bateria, baixo e sax. A platéia escasseava, umas 30 almas, um pouco mais, um pouco menos.

A Alcatéia nem tchuns: duas ou três palavras incluindo o boa noite e pronto. Rock. É rock mesmo como complementavam nos idos dos seventies. A Alcatéia é dessa década. E dos oitenta, e dos noventa e dos novos anos Double Zero, já em seus atropelos e suspiros finais.

Rock? Não encontro palavras para definir o som de Raul e bad company. Tem a cara dos setenta, mas sem o saudosismo óbvio. Tem a cara dos zero-zero, mas sem as pseudomodernidades electrônicas. Os caras conseguiram se manter atuais sem fazer concessões nem ao passado nem ao futuro.

As letras são uma maravilha – não sei citar nenhuma, de passagem, mas sei que são, é assim que as sinto em cada show que vou, quase como se fosse a uma missa (maldita, claro). Minto: Formigas transando o bordado do chão, são uns versos de “Floresta marrom”, um dos ícones do grupo.

Devo saber de outras letras, em pedaços, em restos, em descompassos. Mas, não consigo pensar muito na Alcatéia e em Raul sem pensar que é uma tragédia que não tenham discos gravados, que não existam ao menos velhos long-plays nos sebos, como se pode ainda encontrar aqueles da Banda Imaginária, Lóla, Impacto Cinco e Terezinha de Jesus, pra citar alguns “conterrâneos”.

E como não encontro palavras, vou de carona nas de Carito, vocalista de Os Poetas Elétricos, em seu blog: “antes desse alvoroço em cima de misturar rock com isso e aquilo, Raul jazz misturava rock com tudo... antes de descobrirem a pólvora da mistura, Raul já tinha explodido a mpb local desde os anos 70”. Carito (que também já fez história com os Fluidos e o Modus Vivendi) atende a necessidade do público de referências externas para supostas comparações e definições, traçando um paralelo entre Raul, Van Morrison, e Mick Jagger – “invoco as forças místicas do nordeste só para não dizer que não fiz o que todo mundo parece que tem que fazer nesses tempos pós-não sei o quê: respaldar Chico Antônio através de Mário de Andrade, etc.”

Uma ótima provocação: afinal, Chico Antônio é bom e interessante e “massa” e o escambau porque é tudo isso mesmo, ou, é tudo isso porque Mário de Andrade deitou os olhinhos por trás dos oclinhos e se encantou com o mulato?

Raul e sua Alcatéia Maldita são a melhor banda do planeta porque se parecem com outras melhores bandas do planeta, ou, são a melhor banda do planeta mesmo e Zé-finí?

Eu fico com a última opção.

E continuo na carona alheia do poeta elétrico: “Raul traz clássicos autorais, mas também novidades, bons artigos e melhores preços, tal qual a antológica ‘Casas Cardoso Tecidos’, embora ele não seja o centro da moda. Ainda bem!”

Falando de moda – agora não no sentido metafórico, como na conclusão de Carito – Raul tem uma moda própria que deixa no chinelo quaisquer fashion week dessas, daqui e alhures: usa sempre calças jeans que ressaltam o corpo magro e longilíneo (daí a comparação com Jagger), um cinto com a ponta ameaçadoramente solta, óculos escuros e chapéu (que pode ser de palha ou couro ou feltro, mas são sempre uma referência ao Nordeste). Dentes brancos, de índio. O homem da cobra, mala aberta no centro do chão da praça. “Se vestia fantasistamente”, assim descreve Mário de Andrade um curador de cobra que conheceu apenas na versão de Cascudo: “a roupa era de cor berrante e o chapéu coberto de pele de maracajá.”

Afonso Martins remixou visualmente uma foto que fiz de Raul – não publico aqui porque só faz sentido em cores fortes. Explica Martins, transcendendo a foto numa definição digna de verbete: “O fato é que a foto me trouxe à tona esse barril de referências, e vendo ali no teatrinho do Tirol esse black-man dos nossos tristes trópicos, lembrei das capas de Sam Cooke e James Brown (Live at the Apollo) e dos discos de jazz da blue note, dos luminosos do Cotton Club, e Sly Stone e Prince e Temptations e Kool and the Gang e Mick Jagger e os Panteras Negras e um papa legba haitiano, lobos e lobos...”

Mário de Andrade não sabe o que perdeu.


PROSA
“Ele procura de fato ficar tonto porque, quanto mais gira e mais tonto, mais o verso da embolada fica sobrerrealista, um sonho luminoso de frases...”
Mário de Andrade
O turista aprendiz
VERSO
“Ai, Chico Antônio
Quando canta
Istremeçe
Esse lugá!”
Chico Antônio

Um comentário:

Anônimo disse...

Quando eu era menino buchudo ali no fim dos anos 70 fui surpreendido por um show do Alcatéia Maldita. Forte dos Reis Magos? Centro de Turismo? já nem sei, pois o que me ficou não foi o local, mas, aquele ritual mágico-sonoro capitaneado por Raul Andrade. Os trejeitos rockers cool jazzy de Raul alinhavados com pontaria certeira em regionalidades sutis... Mick Jagger, Feira do Alecrim, Raul e Alcatéia Toing! Toing! Abençoada pelo uivo dos lobos malditos, aquela noite com certeza, deu origem a diversas outras mantilhas outsiders que vieram em seguida. A que uivo tenho certeza saiu dali. Algumas décadas depois, numa Natal de pleno maio de 2008, Raul e sua Alcatéia continuam incansavelmente celebrando rituais mágicos. Na platéia percebi, órfãos de outros carnavais, seguidores abençoados, como também uma safra da geração poti pós dois mil conferindo o princípio das coisas. o elixir que esse Senhor Raul bebe é poderoso do bom e do melhor... Não é sempre que uma lenda urbana pode ser comprovada existente e real, ou seria delírio coletivo? : )