sexta-feira, 30 de maio de 2008

O homem chora [280508]

[Foto de Man Ray, claro]


Graças aos meus pais, que nunca me admoestaram o dito “Homem que é homem não chora”, me senti, se não induzido, ao menos liberado para o pranto sem culpas.

E tome choro. Ora, feito qualquer bípede pós-Cró-Magnon, já nasci aos berros, e a porrada do pediatra foi a primeira que a vida me aplicaria, primeiro nas nádegas, depois na cara, no peito, no fígado – que a rapadura pode ser doce, crianças, mas igualmente quebra os dentes, os mesmos com os quais construímos sorrisos, entre uma lágrima e outras.

Mas, fora aquele tirado a fórceps, o choro pode ser do tipo “romântico-emocional”, matéria que dizem ser da alçada das meninas, derna o tempo em que escondiam cartas de amor entre os seios em flor desabrochando.

Pois, confesso que chorei – e como chorei, à semelhança do canto de Cauby. Ainda lembro quando fui ao Rio Grande – o cinema fechado pra futura demolição – assistir “Uma janela para o céu”. O filme é de 1975, imagino que tenha passado por aqui no mesmo ano ou no seguinte: contava eu, então, com uma década de vida. A historinha, para quem não conhece ou não lembra, era uma mina de lágrimas: moça esportista dos chamados esportes de inverno sofre acidente em cima dos esquis e permanece paralítica do pescoço pra baixo. Mas o ápice, mesmo, de dar nó em pingo d’água e na garganta do caba mais macho do Alto Oeste, era a cena em que, no processo de reabilitação, a heroína mostrava ao namorado os lentos progressos dos seus nervos: com as mãos contraídas ela consegue extrair de uma tigela uma única batata-frita, espalhando as demais pelo chão. O rapaz, incorporando o supra-sumo da frieza masculina fica decepcionado e dá o pira, o fora, como se dizia uma época. A moça, claro, chora – e eu na platéia, claro, idem. Embora assustado com a idéia de que, no acender das luzes, os outros meninos me vissem a debulhar lágrimas, como uma mocinha.

Vem daí a expressão engolir o choro – tão indigesta quanto engolir sapos.

Pra completar, era um tempo em que o cinema não se obrigava ao inamovível “happy end” de hoje – e com as luzes prestes a iluminar a sala, o filme findava com a moça, na cabeceira de um campo de pouso, assistindo o avião com o novo namorado (que incorporava os machos sensíveis) despencar céu abaixo. [vendo o link acima me flagrei bolando as trocas: a tal cena, como a descrevi, não existe.]

Doutra feita, fui às Lojas Brasileiras, no tempo em que alguns ainda a chamavam de “Quatro e Quatrocentos”. Comprei com o dinheiro da mesada dois bichinhos de borracha: um burrinho cinzento e um diabinho vermelho – ligados a um tubo que insuflava ar em seu interior, eles saltavam pra lá e pra cá.

Nem bem cheguei em casa, meus irmãos, todos maiores que eu, tiraram um sarro pela segunda escolha: onde já se viu trazer o tinhoso pra dentro de um lar católico?

Com o rosto manchado em lágrimas de raiva incontida (desculpem o lugar-comum e piegas), escondi burro e diabo debaixo da cama. E prometi a mim mesmo que os protegeria de toda agressão humana e fraterna. Não do choro, mas do ranger de dentes.

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