terça-feira, 19 de maio de 2009

Eyewear III





Quantas Alices tem esta Cidade. De los reyes, de las reinas.

Nem todas portam óculos doidos.

Nem todas tecem maravilhas nos subterrâneos.

Nem todas endossam azul-bebê no vestido e candeggina no avental.

Mas todas não me dizem o nome.

É das Alices a gostosura do anonimato.

Quando vestem t-shirt, bolso esquerdo do peito, dele não sacam cartão de visita. E estendem a mão vazia para retirá-la logo após.

– Alices.

Muitos prazeres têm as Alices.

Brilhantes, nacarados, perolados, esmeraldinos. De todas as cores e feitios e durezas. Prazeres com tê: Turmalinas; Turquesas. Prazeres com a: Azul celeste.

Ah, Alice no céu com diamantes. Alice sobrevoando labirintos em Creta. Alice flertando com Ícaro.

Ah, Alices.

Tão antigas.

Tão risonhas.

Tão róseas e vermelhas-sangue quando aplicam jabs e uppers.

Nos campos de algodão, nos campos ensolarados da plantation, nos campos líquidos dos mangues pantanosos, mergulho so-no-ro.

Ah, Alices: quando lhes direi outra vez

– Meu coração: represa para o salto dos peixes

(Os negros ferindo os dedos nas flores alvas, águas mornas encubando peixes.)

Algumas Alices têm os pés de gueixa. Minúsculos.

Nem todas Alices tingem de verde as águas quando banham-se na moldura natural das pedras.

Todas as Alices cruzam o salão, sempre que haja um para a mordedura dos seus pés.

Todas as Alices guiam – temerosamente – Porsches Carrera branco-pálidos.

(Algumas, Mercedes.)

Todas as Alices têm uns quês de pistoleiras.

Todas as Alices voam em nuvens de alcahol – sem sombrinha: são Alices, não Maries Poppins.

Descobri tarde que, entre eu e qualquer uma das muitas Alices, são elas quem sempre sacam primeiro.

São elas quem rasgam com os dentes e as unhas as páginas coloridas das fábulas.

(Da última feita, demoraram dias até descobrirem meu corpo estendido no prado – só reconhecível pelo embornal pleno de carne de caça.)

– Quando te levarei de novo, Alice, a ver as perdizes, as lebres, as aves-do-paraíso?

Então, não são mais fortuitos esses encontros em público.

Das galeras partem polegares, quase todos girados pra baixo.

O público já se deu conta de nossos olhares boca-a-boca.

O público já se reúne sobre as pontes, a esperar a passagem das águas, se refrescando com bebidas gasosas vermelhas, aguardando a chuva de estrelas cadentes.

O público já abriu as portas da gaiola dourada – e dela partiram plumas em direção às estrelas.

O público já arrombou o assoalho de tábuas. Sotto, pulsante. Vermelho-vivo.

O público se acotovela agora à beira do abismo.

Você dará a largada. O teu vestidinho curto de algodão balançará, pra lá e pra cá.

O motor do carro, um som tão silencioso que.



Um comentário:

Maria disse...

Também são das Alices as dores nas costas que as levam aos terapeutas, tal qual Alice de Simplesmente Alice (Woody Allen). Sem óculos doidos, sem azul-bebê, sem vestidinhos, sem pés de gueixa, porque pés de gueixa resultam de submissão e dor, e as Alices preferem as dores do coração.