segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Pra que serve Oswaldo Lamartine?


Provavelmente no enterro de Oswaldo Lamartine vai dar mais gente pras alças do caixão do que no lançamento dos livros Apontamentos sobre a faca de ponta e Carta da seca, ontem, 20 de março de 2006, no Natal Shopping.

Injustiça? Ignorância? Descaso? Atire a primeira pedra aquele. Atire a primeira faca aquele.

Faltou mais gente do que foi. Nenhum jornalista. Nenhum quinta-colunista. Nenhum político. Nenhum estudante fardado, federal ou particular. Shopping alheio. Ausente. Descrente.

De Oswaldo Lamartine o cidadão mortal se aproxima na ponta dos pés, se esforça pra não gemer, só responde se for perguntado, só olha nos olhos se for olhado.

Assim deveria ser.

Um santo. Alinhado. Oswaldo se veste como hoje se vestiria o homem de ontem – ou seja: como Oswaldo mesmo. Sem cheirar a bolor. O figurino parece ter saído do armário do tempo, imaculado, sem uma prega, como se nunca usado. Não se encontra roupa igual no shopping. No mall. Paletó de veludo, sapatos de crocodilo – ou cobra ou qualquer bicho que rasteje diante do bicho-homem.

Oswaldo Lamartine no shopping: é judiação. Se atrapalha com os livros. Pede desculpas por dedicar na Carta da seca os ferros de ponta. Sem falsa modéstia pelo acúmulo desempoeirado dos anos, sem sombra de importância maior que o caso mereça. Sem encabulamento. Também Oswaldo Lamartine alheia-se do mundo. Daquele mundinho de gente que veio, sem ouro, incenso ou mirra, se deixar ferrar pela brasa turva do seu desassossego.

Cospe num copo de plástico. Um lenço nos dedos desconcertados. O caçula dos dez irmãos. Resto de seca. Pra que serve Oswaldo Lamartine? Pra nada, como na resposta de Serejo sobre a poesia. Oswaldo Lamartine é poesia. Definha sem esmorecer. De pé, dialogando com a noite sertaneja, com o agregado anônimo, com a Moça Caetana.

No saguão as mulheres vêm e vão sem falar de Miguel Ângelo. Prufrock. Lamartine lhes beija a mão.

Ant’ontem, ABC contra Flamengo. Doze mil pagantes. Pra que serve Oswaldo Lamartine?

O que encabula é que os entendidos confessam que a ciência moderna, com toda a sua soberba parafernália, ainda não conseguiu produzir exemplares semelhantes aos do passado. Acrescentem-se aspas, no início e fim da frase anterior: é Lamartine, escrevendo, no alcance do braço, sobre a espada japonesa.

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