sexta-feira, 30 de novembro de 2007

atéqueenfimésexta

Cidade dos Reis, banda da praia, entre os morros e o rio, vazia.


Os passarinhos cantam, nesse chamego às vezes irritante, às vezes tranqüilo.


Onde estão os moradores de Petrópolis e a gente trabalhadora da urbe?


No corredor da folia.


Me abstenho de comentar.


Publico o que me enviaram hoje, porque quem me enviou não conseguiu postar nos comentários.


Texto e foto são dele, moço impetuoso com quem cruzei muito tempo atrás, lá pelos lados do rio. Não, não, não é o que vocês estão pensando - embora: simpatia é quase amor.

Bomfim-de-semana-a-todos...



quinta-feira, 29 de novembro de 2007

ah

ah se eu fosse um daqueles poetas que o Jorge Fernandes quis ser um dia eu saberia na hora na bucha no momento se é algazarra folia ou hino o esforço de pluma desses pássaros em descortinar a manhã como se o mundo fosse lar ninho caverna de milhõezinhos de manoelitos de barros um em cada esquina saltitando bicando alpistes insetos migalhas parando pra conversar com borboletas tecnicoloridas mariposas rola-bostas centopéias grilos joaninhas imbuás lacraus ah se eu fosse um desses poetas testosteronados a camiseta alargando músculos os tênis cadarços em desalinho planejado o jeans lavado descosturado os pés plantados bem firme no chão o olhar seguro confiante maduro jovial simpático sorridente displicentemente blasé marginal outsider aventuroso destino globe-trotter marca registrada caixa registradora bolsos vazios sem a bagana suja amarfanhada de antão ah se eu fosse um desses poetas sujos a barba por fazer o corpo franzino e magresquelético os dentes dedos nicotinados a cadência solta frouxa de palavras excêntricas quilométricas em seus centímetros aparentemente cordiais em seus milhões de anos luzes de novelos entrechos labirintos de teses antíteses sínteses em sua leitura objetiva concreta faca afiada de razões e dez mandamentos ah se eu fosse um desses poetas com as raízes bem fincadas na seca esturricada do sertão com direito a fardão de algodão cru armorial à sombra duma serra tresmalhando na malhada afugentando a canícula como o vacum espanta moscas berberes infiéis com seu rabo açoite vento abrigado ah se eu fosse um desses vates doutores pediatra de adultos e fêmeas infantis o açúcar-cande na ponta da lingüinha solta a mão no bolso alisando sensabor a grossura máscula do pau pai do rebanho os dentes sutis resfolegando no pescoço alvar das caçadoras em corsa com os lupus e os canis amārus ah se eu fosse um desses poetas consagrados com mulher e filhos e babá horas extras nanando nanindo ganindo vomitando babas salamaleques puxões no culhão do alheio cevando letras frases perguntas oblívios cartões postais de crédito imbecil vodka whisky cherish scottish bloomwish sandwich ah se eu fosse um desses poetas artistas que usam óculo escuro pra sua alma fingir tão bem o indizível o aprazível o canhoto destro sinistro do talão galão cheques choques chocos trinta dinheiros onze mil virgens nenhuma idéia na cachola cetácea e uma dama lilás por companhia promessa de felicidade amparo muleta de intelectual na finestra indiscreta barril de amontillado muro de pedras cal cã cio ah se eu fosse um daqueles poetas da guerrilha colombiana bolivariana cubana capim saia gomada plissê pot-pourri purpurina ocarina messalina púlpito douro entronizado no altar da malemolência e da decadência do samba roque baião rap hip hop melodia alcatrão nos prumos da irlanda da islândia de reykjavic costas quentes olhar profundo toco de charotos na comissura labial dedos ágeis soando bronzes sinos sonhos em tergal valise de couro boletim bainha duelo fim ah se eu fosse um poeta dicionarizado antologicizado dissecado de frente e de verso de costas e de prumo ventral dorsal olhos míopes boiando no fundo dum rosto azul aguardando impaciente na esquina mais um ganir de pneumáticos e a colisão metálica de ferro aço vidro borracha carne ah se eu fosse um daqueles poetas que o Jorge Fernandes quis ser um dia eu mas não eu não acredito em nada nada disso nem na ausência de vírgulas nem na descostura dos pontos na inflexão tesa dos verbos na desconstrução repentina do parágrafo em nada acredito eu nem

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

tv eye



Oiço no noticiário local:

“A família vive dias de tensão...”

God! É o seqüestro subindo o país desde o sul maravilha, troco, restituição, paga, pelos paus-de-arara que mandamos pra lá, Lula incluso!

Depois, a explicação:

A tensão não é fruto da violência ou do mênstruo delas de cada mês.

É o jogo alvinegro, logo mais à noite, decisivo para o futuro da esquadra.

Ufa!

Tensão maior, só entre os carnavalescos. Cidade dos Reis, como se sabe, é palco do Maior Carnaval do Mundo.

Fora de época.

Realmente, totalmente fora.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Anti-história do olho, segundo Alice Ruiz e Paulo Leminski





nisso eu sou primário
amor pra mim
vem do caralho
P.L.

nisso eu sou careta
amor pra mim
vem da buceta

Alice



[Alice Ruiz e Paulo Leminski, “PORNOEMAS” in Antolorgia – Arte Pornô. Rio de Janeiro: Codecri, 1984]


Novenquete

Aí ao lado.
O blog é persistente.
Notem o artigo inicial no feminino singular – estamos a falar, pois, da Província, não do blogomônimo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Ante-história do olho, segundo Diógenes da Cunha Lima




O PAVÃO

BOLINA

OS OLHOS

DA MENINA –


[Diógenes da Cunha Lima, “MORALIDADE” in Instrumento dúctil, Natal: Fundação José Augusto, 1975]

a enquete foi um fiasco


Votação mais-que-pífia da primeira sondagem poética de cidadedosreis: apenas 15 leitores votaram.

Como digo que tenho apenas 9,5 leitores, alguém maracuteou as cédulas electro-eleitorais.

Surpresa mesmo o voto único e solitário pro bam-bam-bam das letras potyguaras Jorge Fernandes.

Cidade dos Reis trocou definitivamente a rede pela chezlóngui.





quinta-feira, 22 de novembro de 2007

História do olho, segundo Tom Zé


[Foto de Reinaldo Moraes para a capa do disco de Tom Zé – leia a história da foto aqui]



De vez em quando
todos os olhos se voltam pra mim,
de lá de dentro da escuridão,
esperando e querendo
que eu seja um herói.

Mas eu sou inocente,
eu sou inocente,
eu sou inocente.

De vez em quando
todos os olhos se voltam pra mim,
de lá do fundo da escuridão
esperando e querendo
que eu saiba.

Mas eu não sei de nada,
eu não sei de ná,
eu não sei de ná.

De vez em quando
todos os olhos se voltam pra mim,
de lá do fundo da escuridão
esperando que eu seja um deus
querendo apanhar, querendo que eu bata,
querendo que eu seja um Deus.

Mas eu não tenho chicote,
eu não tenho chicote,
eu não tenho chicó.

Mas eu sou até fraco,
eu sou até fraco,
eu sou até fraco.


[Tom Zé, “Todos os olhos” in Todos os olhos, 1973]



quarta-feira, 21 de novembro de 2007

“Interrompemos História do Olho para...”


Plantão de notícias.

Pronto. Bastou ser inaugurada para a ponte de todos servir de trampolim para aqueles que uma época eram enterrados fora dos cemitérios por atentarem contra a própria vida.

Leio agora no sítio do nominuto que um homem saltou da ponte, de manhã cedinho.

Três meses atrás eu já comentava que o local podia servir pra isso.

Não imaginava que seria tão rápido.

Se eu pensei, por que os responsáveis pela ponte não pensaram?

E do jeito que as coisas vão, de mal a pior, se não colocarem urgentemente alguma proteção o que vai ter de neguinho desesperado saltando no vazio...

terça-feira, 20 de novembro de 2007

História do olho, segundo Dalton Trevisan


[Milo Manara]


Às três da tarde, aperto a campainha do teu apê.
Trago uma colega. Tem 17 aninhos. Uniforme de normalista, como você pediu. Mais: corpinho de curvas, seio de maçã, bundinha arrebitada.

[...]

Qual cuzinho você quer comer? Os dois, você diz.
Estou louca para te dar o rabinho. Ó minha gruta secreta entre dunas movediças. Fico tão cadelinha, piranha, rampeira. Ai, é bom demais. Ó meu mimoso cravo violeta.
O Rei dos Hunos ronda, acha, pede passagem. Violento e gentil. Ai, dor. Oh, delícia. O alfanje é recebido na bainha sob medida.
Que se escancarem os portais do templo das musas calipigías. Quando sinto a cabecinha entrando quero uivar. Sim. Bem putinha puta putona. Eu sou. Sim.
Cuidado, amor. Que dói. Devagarinho.
Ah, é? Pronto, lá vem você com toda a força. Sem piedade. O aríete impávido colosso arremete rompe marra tudo pela frente.
Que vagarinho. Sua viada. Pô, é pra doer. Geme. Assim. Chora. Mais. Já tiro sangue, orra.
Minha alma dá gritos de alegria. Você me racha pelo meio. Eu me abro em duas metades perfeitas.
Agora é a vez da noivinha. Com o teu cedro do Líbano bem dentro do meu pobre cuzinho, ela dedilha o meu botãozinho em chamas.
De tanto gosto, os grandes lábios batem palmas.
Frenéticos, piscam os pequenos e me mordem.
O cuzinho lambe os beiços e delira de boquinha aberta.
Ai, o coração latindo no peito e ganindo no meio das coxas.
Você não espera mais e explode o meu rabinho. Já não tenho cabeça mão perna.
Sem consciência.
Sou puro gozo. Só gemido êxtase epifania levitação.
Duas asas tatalantes da borboleta trespassada na múltipla agonia. A minha alma aos uivos subindo num repuxo fervente de porra. E o teu Exército com Bandeiras ocupa toda a cidadela arrombada.
E eu? Choraminga a noiva esquecida. E eu? O outro cuzinho fica para outro dia, você diz.


[Dalton Trevisan, “Duas normalistas” in Rita Ritinha Ritona. Rio de Janeiro: Record, 2005]

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Napoleão de Paiva reencontra o Tempo




"A leitura da Casa de Dona Gena, de Franklin Jorge, é daquelas que enchem a alma.
Sobretudo numa segunda-feira, depois do turbilhão de informações do fim de semana: literatura, cinema, tv & mais & mais; de tanta coisa descartável, posta goela abaixo na velocidade contemporânea (tida, também, como a mais nociva fração do colesterol), que deixa um empanturrado (e neurotizado). Aí chega Franklin com seu texto cristalino, sem nenhum artifício, e, num átimo, nos transporta para um universo não tão distante, harmonioso, elegante, com ritmo humano, longe da aceleração idiotizada dos dias de hoje – que dentre tantos pecados – não acha tempo sequer para degustar uma ‘rosquinha polvilhada de canela’."


[Napoleão de Paiva é poeta e pediatra]

Franklin Jorge reencontra o Tempo




A CASA DE DONA GENA [1-2]

Franklin Jorge
´[Editor de Babélia]
FOTOS Arquivo do autor trabalhadas por midc


"Disse Virginia Woolf que nos deixamos conhecer por nossas casas. Escrevendo sobre a casa de Carlyle, parecia-lhe, no caso dos escritores, que eles realmente se imprimem em seus pertences de modo mais indelével do que as outras pessoas. Lendo-a, lembrei-me imediatamente da casa em que, por quase setenta anos, a escritora Maria Eugênia Maceira Montenegro viveu no Açu, a partir de 1938 até sua morte em 2006. Um aristocrático casarão duplamente centenário, na Praça Getúlio Vargas 19, de elegante fatura colonial, em perfeito estado de conservação e ainda ostentando na fachada a bela azulejaria portuguesa da época. Enobrecido pela história e pela luz que emanava de cada gesto da grande memorialista e etnóloga mineira que se tornou norte-rio-grandense.

Conheci esse solar intimamente, desde os meus catorze anos, nele passando algumas férias inesquecíveis, em especial a de 1976, quando acabei colaborando com a implantação da biblioteca pública de Ipanguaçu, criada por Dona Gena, então a prefeita daquele município vizinho. Fiquei responsável pela relação complementar de títulos a serem adquiridos para enriquecer o acervo básico doado pelo Instituto Nacional do Livro, na época, detentor de um rico e variado catálogo de autores nacionais obrigatórios em qualquer biblioteca digna desse nome. Atualmente esse acervo, surrupiado com a complacência de seus sucessores, tornou-se posse de um particular que não despendeu um centavo para adquiri-lo, além de privar o povo de Ipanguaçu do seu usufruto.

Foram noites e noites, em torno da sólida e comprida mesa de jacarandá da sala de jantar, em meio a uma fina e preciosa coleção de porcelana chinesa, exposta em armários envidraçados que haviam pertencido ao doutor Pedro Amorim, médico e deputado que fora casado com uma tia do dono dessa casa senhorial. Os móveis escuros, pesados, em espécimes vegetais já extintos, mesclavam-se a outros mais recentes, em estilo funcional inspirado no Bauhaus alemão, muito em voga no Brasil nos anos cinqüenta. Nas paredes o velho relógio-cuco que pertencera ao seu pai, o buffet, cadeiras de balanço nas quais sentávamos para ver televisão, sofás e os quadros pintados pela escritora, antes de sua eleição a prefeita, a grande janela aberta para o jardim interno com o viveiro cheio de pássaros.

Após os noticiários e da novela das oito, Dona Gena colocava um clássico na vitrola, pois ela os possuía em profusão e sob a regência de grandes maestros e virtuoses, ali ficávamos, os dois, durante horas, discutindo e anotando títulos e autores que não podiam faltar à Biblioteca João Lins Caldas – um dos maiores poetas da língua portuguesa, que fora o seu mestre e a quem ambos admirávamos e servíamos voluntariamente em estado de júbilo.

Não poucas vezes fomos dormir depois das duas horas da madrugada, após um chá ou chocolate quente acompanhado de queijo-do-reino, pães, roscas, bolos e biscoitos deliciosos feitos por Rita, magra e sorridente, que aprendera as artes culinárias com a própria Dona Gena, a quem servira no tempo de moça. Saboreávamos, nesses momentos, um pouco da rica culinária mineira transplantada para o Açu. Ninguém, como Rita, para fazer uma rosca polvilhada de canela. Ás vezes, por ser eu ainda quase um adolescente, segundo a minha amiga e anfitriã inesquecíveis, ela sugeria-me que comesse ovos à la coque com pão francês barrado de geléia, que ela fizera para mim, na limpa e ampla cozinha contígua à sala de jantar... Eu me servia, colocando-os em porta-ovos de prata, com uma pitada de sal e bastante manteiga Turvo ou Aviação, comprada em latas de um quilo...

Frequentemente eu continuava, ainda por uma hora, sozinho, sentado numa cadeira de balanço austríaca, lendo algum livro da sua esplendida biblioteca, ou me recolhia ao quarto de hóspede, onde me aguardava uma bela cama de casal lindamente trabalhada por hábeis artesãos, que pertencera, segundo Dona Gena gostava de lembrar, a João Café Filho, famoso sindicalista das Rocas que chegara ao Palácio do Catete, após o suicídio de Getúlio Vargas.

Ela a adquirira do ex-motorista do presidente -- o único presidente brasileiro nascido no Rio Grande do Norte--, que a ganhara dele quando o mesmo se mudara para a antiga capital federal para nunca mais voltar à nossa terra, a não ser a passeio e por pouco tempo. Compunha o quarto, ainda, uma penteadeira que me servia de escrivaninha e que Dona Gena adquirira da poetisa Palmyra Wanderley, móvel de época, de uma delicadeza extraordinária, em cujo espelho eu costumava acompanhar com orgulho o crescimento de minha barba... E, no canto da parede, uma pequena estante de pau-rosa, envidraçada, ali colocada para o recreio do meu espírito, contendo os livros que eu leria... Ali, entre lençóis bem engomados e sutilmente perfumados de lavanda ou camomila, após a última leitura do dia, entregava-me, finalmente, aos prazeres do sono."


Bibliografia resumida de Maria Eugênia Maceira Montenegro

Saudade, teu nome é Menina
Lavras, Terra de Lembranças [memórias]
Alfar, a que Está Só [conto filosófico]
Azul Solitário [poesia]
Tradições e Costumes do Açu [ensaio etnográfico]
João Lins Caldas [ensaio]
Lourenço o sertanejo [romance de costumes]

Cansei




Passou o fim de semana e eu cansei. Não me roubaram o Rolex, não me surrupiaram a Montblanc, não riscaram meu Mitsubishi, não beberam meu Romanée-Conti, não jogaram água Marilena na minha Lacoste, não afanaram meu A menina que roubava livros, o garçom do Buongustaio me sorriu quando lhe deixei gorda gorjeta, o vigia do Midway Mall me deixou estacionar na vaga dos aleijados, saí da Kopenhagen carregado de sacolas, meu golden retriever me latiu sorrindo... Mas, eu cansei.

Cidade dos Reis é uma cidade má.

Deixo com vocês a quem de direito: a limpidez calma do texto enxuto de Franklin Jorge.

Amanhã, retorno com a História do Olho.

Cidade dos Reis é Terra de Ninguém.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Marketing político & cultural + uma carona em nascimento, alex


Recebi hoje através de email dos mais simpáticos a seguinte piada:

Campanha de candidato
Um político que estava em plena
campanha chegou a uma cidadezinha, subiu acima de um caixote e começou seu
discurso:
- Compatriotas, companheiros, amigos! Nos encontramos aqui
convocados, reunidos ou ajuntados, para debater, tratar ou discutir um tópico,
tema ou assunto, o qual é transcendente, importante ou de vida ou morte. O
tópico, tema ou assunto que hoje nos convoca, reúne ou ajunta, é minha
postulação, aspiração ou candidatura, à Prefeitura deste Município.
De
repente, uma pessoa do público pergunta:
- Escuta aqui, porque o senhor
utiliza sempre três palavras para dizer a mesma coisa?
- Ah! Pois veja, meu
senhor: a primeira palavra é para pessoas com nível cultural muito alto, como
poetas, escritores, filósofos etc. A segunda é para pessoas com um nível
cultural médio, como o senhor e a maioria dos que estão aqui. E a terceira
palavra é para pessoas que têm um nível cultural muito baixo, pelo chão,
digamos, como aquele bêbado ali jogado na esquina.
De imediato, o bêbado se
levanta cambaleando e responde:
- Senhor postulante, aspirante ou candidato
(hic)... O fato, circunstância ou razão de que me encontre em um estado etílico,
bêbado ou mamado (hic)... não implica, significa ou quer dizer que meu nível
cultural seja ínfimo, baixo ou ralé mesmo (hic)... E com todo o respeito, estima
ou carinho que o senhor merece (hic)... pode ir agrupando, reunindo ou ajuntando
(hic)... seuspertences, coisas ou bagulhos (hic)... e encaminhar-se, dirigir-se
ou ir-se diretinho à sua progenitora, mãe biológica ou puta que o
pariu!!!

MORAL DA HISTÓRIA: O etílico, bêbado ou mamado, só pode ser da ilustre confraria dos intelectuais, que, como se sabe, em Cidade dos Reis abundam em cada esquina, junto com os periódicos, gazetas ou jornais.

A propósito de jornalistas e marqueteiros (entre os quais não me excluo, longe de mim ejetar saliva, cuspir ou escarrar no prato em que como), tão presentes nas folhas, noticiários ou resenhas, me recordo, me vem à cabeça ou me alembro, de um aforismo (ou aforismo ou aforismo) de Alex Nascimento – aliás, vários:

Claro que publicitários, escritores e jornalistas são pessoas
normais.
Apenas não se contentam em mentir somente pros íntimos.

Ou:

Imprensa é coisa séria.
Por dinheiro é capaz de publicar até
a verdade.


Ou:

Intelectuais são analfabetos que aprenderam a ler.

Ainda:

Jornal cultural é um periódico que, invés de destacar
vagabundos da sociedade, políticos sem qualificação e canalhas inomináveis, abre
seu espaço a um bando de complexados que por incompetência nunca chegarão
lá.

Viu como o livrinho foi útil? Vocês também podem comprar: até bem pouco era vendido na lojinha da Fundação Zéaugusto, coisa de dez real – Alex Nascimento, A última estação. Natal: Fundação José Augusto, 1998

Pra fechar:

Eruditos são pessoas que, não tendo nada pra dizer, vivem
citando imbecis que tinham tudo pra ficar calados.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

As múmias e os dinossauros at the Gates of Dawn


Ontem.

Esperei, esperei, esperei, e Rodrigo Levino não me ligou, pra repassar os convites do Celebration Fourty.

Fulero. Deve ter passado pro Galera e pra galera dos jovens escribas.

Tudo bem. Questão de afinidade etária, interesses etc, não vou provocar um conflito de gerações.

Vou procurar minha turma.

Na caverna.

Na Ribeira.

No Crazy’s Celebration.

No Parque Jurássico.

Estão todos lá.

Fora os que de nós não conseguiram pular o muro do asilo.

Fora os ovos.

Um chega, disparando: “abriram o sarcófago...”

Também. E os Gates of Dawn. E as Portas da Percepção.

I’ve been mistreated. I’ve been abused.

Quem quiser embiocar pelo túnel do tempo e ver o que víamos e ouvíamos décadas atrás, ainda dá tempo:

O QUE: Homo Habilis Cavern Band no show Elo Perdido
ONDE: Casa da Ribeira - Rua Frei Miguelinho, 52 – Ribeira – 3211-7710
QUANDO: 14 e 15 de novembro (Quarta e quinta)
HORA: 20h
PREÇO: ? (ligar para 3211-7710 - Casa da Ribeira)

Recomendável. Recomendo. Recomendamos.

Se é pra visitar o eterno museu de novidades, melhor beber direto na fonte.

Antes que o Plano de Deus se concretize, e os Cavaleiros do Forró e similares cheguem para o Apocalipse final.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Pesquisa

A enquete, pesquisa, consulta, publicada ao lado, alto da página - reconheço - ficou de uma ambiguidade além da minha intenção. Obviamente que todos os 4 apontados estão mortos. Não é nenhuma pegadinha. É apenas uma ironia com muitos dos "vivos" que empestam as rodinhas literárias. Aqueles poucos vivos que merecem realmente a condição de poetas não vão se incomodar. Os leitores votem segundo seus gostos, paixões, interesses. Inegável que a poesia dos quatro citados vem resistindo bem mais que a poeira dos seus corpos.

Dinossauro doidão


Bob Crazy – que eu conheci quando ainda chamava-se Roberto Doido – depois de anos cuidando de plantas (todas legais, diga-se de passagem, paisagista que também é) volta ao baixo e ao alto do palco: o projeto chama-se Homo Habilis Cavern Band.

Roberto, “Bob”, foi visto, inclusive, em companhia de outro Bob – Marcelus – o artista plástico mais visto no youtube: sábado passado a dupla estava numa esquina da rua João Pessoa, downtown de Cidade dos Reis tentando comprar ácido lisérgico numa pharmácia.

A moça do balcão disse que tinha mas acabou.

Quarta e quinta Bob Roberto sobe ao palco da Casa da Ribeira em busca do tal Elo Perdido, nome do show, que contará com as participações especiais de Carito (de quem foi parceiro no Fluidos) e Eduardo Henrique (do Mr. Groove).

O show promete. Se nos anos 70-80 os dinossauros eram tratados com desdém e ironia, sem eles, hoje, o rock não existiria.

O show acontece enquanto a peleja da governadora com o prefeito por Elba Ramalho esquenta. Elba já viu discos-voadores. Rita Lee, também. As duas são figurinhas fáceis na política do circo potiguar – quando os palhaços são bons, quem precisa de pão?

Roberto Doido podia ser uma alternativa local. Também já viu flying saucers – em Pium, abduzindo os presos de Alcaçuz. Entre eles, Jim Morrison...

Um dos caras que no final dos anos 70 andava com o Floyd (Pink) na cabeça, Doido, “Crazy”, gosta sempre de filar o cigarro alheio e repetir a ladainha: “puquê, puquê...”

Vlamir Cruz, que carrega o sobrenome e um parentesco atravessado com Mr. Bob, me enviou, ontem, cópia de uma coletiva do Homo habilis – seguem os melhores [sic] momentos:

Faz um tempão que você estava ausente do meio musical potiguar, que estava fazendo?
Compondo.

Quinze anos sem tirar de dentro?
Tem gente que é impaciente.

Quando você pensou em fazer esse show?
Encontrei Geddy Lee na Rua João Pessoa e...

Geddy Lee? do Rush? na Rua João Pessoa aqui em Natal?
Na verdade foi no show do Rush no Rio, mas, o toing só rolou de mermo na Rua João Pessoa.

Esse seu contrabaixo é um exemplar vintage de quatro cordas: qual sua opinião sobre contrabaixos de cinco ou seis cordas?
Tem mais corda, né!?! São cinco, seis, em vez de quatro.

Isso.
Fora os ovos.

Como é?
Pode tudo, fora os ovos.


Tá curtindo com a nossa cara?
Qué isso! Fora os ovos é uma expressão lá de Mosquito Pequeno...

Mosquito Pequeno?
Pium, onde eu moro, quer dizer mosquito pequeno.

E daí?
Fora os ovos.

Quem esse cara pensa que é?
Bob Crazy! Meu queri-iii-do, você num leu o release não?

Mas afinal de contas, o que é que o público pode esperar deste show?
Melhor não esperar e ir entrando logo, assim que chegar: na Casa da Ribeira ninguém entra depois do show começado.

Rapaz, eu tô perguntando no sentido musical...
É... música, vai ter algumas...

Como algumas? Não é um show?
Pois é...

Pois é o quê?
É um show.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Desgraça de todos


Leio na coluna de Serejo, um dos poucos da velha ufrn a quem chamo sinceramente de professor, notícias sobre a também velha nova ponte – ditódos, niúton navarro, forterredinha, seja lá que apelídio o povo lhe dará.

Aprendi com ele, que aprendeu com o velho Luís Maria Alves, e copio, imito, descaradamente:

- Não pode ser verdade que o governo nunca aceitou de bom grado o nome do poeta, cronista, contista, pintor, escritor, dramaturgo, boêmio – enfim, tudo aquilo que meia dúzia de conterrâneos querem ser mas não conseguem, nem de cada vez quanto mais tudo junto.

- Não deve ser verdade que nenhuma linha das dezenas, centenas, milhares de textos que Newton deixou como herança para o Rio Grande do Norte não será publicada – em ao menos um folder! uma lâmina! um flyer! um dépliant! um panfleto! um opúsculo!

- Não deve ser verdade que não exista um só livro de Newton em circulação nas livrarias da cidade (a última edição, bancada pela Fiern há quase dez anos, encontra-se esgotada), a não ser nos sebos, com muita sorte e paciência.

- Não deve ser verdade que Dona Wilma tomará café da manhã com os coleguinhas da imprensa, falada, escrita, televisada e – uma ínfima parcela – arrendada, para apresentar (feito a Nossa Senhora Padroeira) um texto intitulado “Natal, um plano de Deus”, enquanto o texto “O caminho da cruz” resta esquecido sem ter uma alma pia que o desengavete, desempoeire, resgate.

- Não deve ser verdade que ninguém da Fundação José Augusto tenha alertado a ilustre administradora de nós todos que “O caminho da cruz”, texto de Navarro, está fazendo exatamente 40 anos da sua encenação pelas ruas do velho centro da cidade dos Reis, inclusive, na época, com um ator de peso, Celso da Silveira.

- Não deve ser verdade que Bruno Chateaubriand, Glorinha Távora Hildegard Angel, Madeleine Saad, Theo e Tânia Drumond e outras distintas celebridades, “todos com linhas poderosas na imprensa carioca”, e todos convidados para a Celebration de outros exatos 40 anos – desta feita da diretora do TAM, Hilneth Correia – vão sair de mãos abanando dos seus quartos na Via Costeira, sem nenhum souvenir que justifique por que a ponte recebeu nome tão esquisito.

- Não deve ser verdade que Chiclete com Banana vá tocar na inauguração da Ponte NEWTON NAVARRO; tampouco deve ser verdade que alguém tenha cogitado [a banda] Babado Novo, ainda que a belíssima, lindíssima, crooner, Claudinha Leite seja uma legítima cidadã natalense, por obra e graça de nossos bravíssimos edis.

- Como também não deve ser verdade que um dia, lá pelos idos de 1753 uma imagem bateu numa pedra do Potengi portando a mensagem Onde esta Santa parar nenhuma desgraça acontecerá.

Deve ter sido noutra cidade, noutro estado, noutro país, noutra galáxia.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Coluna social


Cidade dos Reis é uma cidade pândega.

Pândega.

Saboreiem o termo, não existe mais adapto ao que ocorre por aqui, beira-rio, beira-mar, beira-duna, beradero.

Observem: onde mais se reforma um mercado público, transformado em centro comercial, lojinhas chic, brechós, antiquários, piso encerado e tal, para depois promover a dois passos uma feira de produtos orgânicos numa praça a céu aberto?

Sem falar que as lojas do centro comercial, ex-mercado, precisam ser constantemente fiscalizadas pela prefeitura porque a maioria de seus donos – ou arrendatários – prefere, comumente, não abri-las.

Sem falar que na tal praça, como o sol é inclemente e bate sem dó nem piedade ou clemência na moleira, foram armadas barracas, digo, tendas. Alugadas, claro. E como foram montadas na noite anterior, os príncipes e princesas que circulam pela zona, armaram o maior barraco. (Boites, night drinks, restaurantinhos, cafés, salões de beleza, fazem da área a ante-sala do paraíso in – cumpro informar.)

Invés do espocar das champanhas, ouviu-se e viu-se o espocar dos flashes – celulares, claro.

Pra quê? Pra levarem a denúncia ao ministério público.

Por quê? Porque a feira tava atrapalhando o movimento by night da mocidade em flor. (A praça chama-se das flores; antes, Aristófanes Fernandes, mas um dia instalou-se no centro da praça uma floricultura – “cultura das flores”, em Cidade dos Reis – e pronto: praça das flores; na feira são oferecidas, vendidas, flores orgânicas – informo, mais uma vez.)

A mesma turma da grita, dos flashes, da indignação, é a mesma turma que há bem pouco tempo fechava ruas inteiras ou trechos de, para festas privê.

Em Cidade dos Reis o roto fala do esfarrapado, o sujo do mal lavado.

Como em qualquer cidade que se preze.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

História do olho, segundo Glauco Mattoso




da série FÁBULAS RASAS


Dois cidadãos trepavam pacatamente no Buraco da Maysa. O guarda chegou e foi logo dando o esporro:
- Pouca vergonha! Na via pública! Tamanhos marmanjos!
Antes que o guarda partisse para o uso da força, o passivo, que era uma versão Cassius Clay de Madame Satã, pediu ao parceiro com voz melíflua:
- Tira, Jorge.
Quando o outro saiu de dentro, o crioulão perdeu toda a feminilidade, agarrou o guarda pelos colarinhos e urrou:
- Escuta aqui, maninho, por acaso cê é o dono da cidade?
O guarda, apavorado com a reação, entregou os pontos:
- Não.
- É o dono da rua?
- Não.
- É o dono do cu?
- Não.
Soltando o pescoço do guarda, o crioulo voltou-se para o outro e pediu com voz melíflua:
- Bota, Jorge. (MORALIDADE: Entre bofão e bofete, não metas o cassetete)


[Glauco Mattoso, “O DIREITO DE IR-E-VIR” in Antolorgia – Arte Pornô. Rio de Janeiro: Codecri, 1984]


quinta-feira, 8 de novembro de 2007

História do olho, segundo Baby The Billy


[Giovanna Casotto, detalhe]



ANDO NAMORANDO UM RAPAZINHO

Ele é uma mocinha, o meu rapazinho...
Sente frio por qualquer coisa,
chora quando vê incêndio,
podia ser aeromoça,
mas tem seios pequeninos
e odeia executivos.

Ele é uma dona-de-casa, toda fagueira,
lava e passa, pinta e borda, o meu rapazinho.
Entrei total na dele, larguei até o trabalho.
Agora, o dia inteiro, só cozinho...

[Baby The Billy é Claufe Rodrigues, “ANDO NAMORANDO UM RAPAZINHO” in O livro dos camaleões. Rio de Janeiro: Anima, 1985]

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

História do olho, segundo Nathália de Sousa

[Guido Crepax]


Eu tenho uma cabeça de condessa
devassa, decapitada
dois minutos e meio depois da trepada.
Eu tenho um sexo sem nexo
que se entrega em doces refregas
no ar, no mar, na lama,
no vão das escadas e, sim, também na cama.
Ah, eu me entrego, não nego,
a cafajestes, religiosos, estrangeiros.
Aos que sorriem e me dizem:
J’ai t’aime, amore, I love you,
eu dou meus sonhos, dou meu juízo,
dou o meu cu.

[Nathália de Sousa, “Devassa” in Poemas devassos e uma canção de amor. Natal: Sebo Vermelho, 2006]

terça-feira, 6 de novembro de 2007

História do olho, segundo Adriano de Sousa



Não é mesmo flor
que se cheire, o cu.
Mas nem o fedor
não repele o cúpido

e contumaz beija-flor
quando emproa o curso
à busca do palor
apaziguado a cuspe.

Língua, dedos, verga
varam a fauce rugosa
e colhem, às cegas,

a flor sulfurosa
no buquê de merda.
No entanto, rosa


[Adriano de Sousa, “Bocuge” in Flô. Natal: edição do autor, 1998]

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Tiroteio em Cidade dos Reis

Leio no sempre bem informado blog da Thaisa Galvão que as balas andam se perdendo por entre os palácios da Areia Preta, costa urbana de Cidade dos Reis.

Tenho parentes, amigos, conhecidos, morando ali. Deveria me preocupar. Não me preocupo.

Cada vez que a mídia nativa foca o morro de Mãe Luíza e seus moradores, sinto um cheiro de podridão, como no Reino da Dinamarca.

Mãe Luíza é a menina dos olhos, inalcançável e inatingível, de 11 entre 10 empreendedores do mercado imobiliário papa-jerimum, silvícolas ou colonos. No alto de uma imensa duna, são 360 graus do melhor da paisagem – farol, Atlântico, rio, dunas, mata, e os prédios da Cidade dos Reis tão longe tão perto, aos seus pés.

Lugar para príncipes, pois, não para plebeus.

A semelhança com os morros cariocas não passa de acidente geográfico: em Mãe Luíza não existe o caos apocalíptico de barracos nem a inflação de almas. Não creio, tampouco, que os índices de criminalidade cheguem aos pés da Baía da Guanabara.

Mas a elite potiguara gosta de espelhar-se na grama do vizinho, preferencialmente aquela Rio-SP-Miami: não basta ter um Rollex ou uma Vuitton – é preciso alguém para cobiçá-los ao ponto de o grito revoltado em defesa do patrimônio. A que ponto chegamos, meu Deus? Tal qual em Ipanema, Leblon, Augusta, um Absurdo! – dizem as madames com ou sem cachorrinhos.
Opinião essa, apresso-me a ressalvar, não compartilhada pela blogueira, que começa seu texto justamente assim:


"Sabe aquela coisa de balas perdidas entrando em prédios de
classe média alta que a gente só vê na televisão e acha que só acontece no Rio
de Janeiro?
Pois, infelizmente, Natal já tem disso, sim senhor."

(Nesse ponto, madame Y teve um faniquito, chamou o mordomo moreno-pardo, a secretária incolor e, antes dos sais, ligou pras amigas.)

A sensação de perigo, conjecturo, é também símbolo de ascensão social. Balas perdidas? Chegamos lá.

Todos se preocupam aonde elas chegam – um perigo, um descalabro etc. Natural e com razão: a gente de bem, que pagou caro pra morar diante do mar, não pode ficar refém do terror de a qualquer momento ver entrar pela vidraça a morte travestida de cápsula desatinada. Mas não vejo ninguém preocupado com o de onde elas partem e com os demais moradores da polis, os miseráveis, coitados, que estão lado a lado dos atiradores. Afinal, são eles os mais propensos a receber balas, perdidas ou achadas.

O texto continua, descrevendo a trajetória da bala em detalhes: na altura do 15º andar ricocheteou numa esquadria de alumínio do banheiro e caiu lá embaixo na quadra de esportes.

O dono fez uma “verdadeira varredura” no prédio.

O que significa a tal varredura não sei dizer.

Nos comentários, uma moradora revela, indignada: “há 15 dias mataram um em mãe luíza e vimos o tumulto pela nossa janela”. Grifos nossos, meus. Em Mãe Luíza, apreendemos, as balas matam anonimamente, fulanização da morte. Em Areia Preta, correm o risco de acertar um figurão. Ainda: em Mãe Luíza um crime seguido de morte provoca “tumulto”; em Areia Preta, mesmo sem mortos ou feridos, “revolta e indignação”. Como o pessoal pode, tá podendo, fica a sugestão da brava moradora: “Os moradores de Areia Preta devem tomar uma atitude já que o poder público não toma, quem sabe contratando vigilância particular. Talvez essa seja uma saída”.

Esqueceu de citar que a vigilância, além de particular, deve estar obviamente armada.

E que o tal do sujeito a ser contratado para o cargo de xerife privado deverá vir, também obviamente, de um desses bairros como Mãe Luíza. E entrar pela porta de serviço, como aquele projétil desgovernado citado noutro comentário de ilustre cidadão: “também já vivemos esse drama de bala perdida no nosso prédio, sendo que ela entrou pela área de serviço”. Mui educada, a bala, e consciente de seu devido lugar. Quase quase digo: menos mal, na pior das hipóteses matará apenas um serviçal.

Não digo, que com essas coisas não se brinca.

Pois.

Dizem ser o bairro “um dos mais violentos de Natal”. Ora, vamos, se é violento por que não combatem a violência e protegem da violência, antes de mais ninguém e nada, quem mora ali?

A menos que sejam todos criminosos.

Ah. Agora eu entendi.





Lourenço Mutarelli, Transubstanciação. São Paulo: Dealer Editora, 1991

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Requiem aeternum



Em São Cristovão, Areia Branca, Rio Grande do Norte, existe um cemitério à beira-mar. Belíssimo. Parece abandonado, com seus túmulos baixos, suas cruzes imitando pequenos cruzeiros, sua ausência de muros, vigia, gente, a não ser aquela sob o barro vermelho. Ao menos era assim quando lá estive anos passados. O sol é inclemente, desaba como um martelo sobre as cores fortes, desmorona contrastes e as velhas pinturas sob as novas, como os mortos sob os pés dos vivos.

De vivos o cemitério guarda poucas recordações: quase que apenas coroas plásticas de flores, de datação indefinida. Como quando lá pisei éramos apenas nós, grupo de viajadores em seis almas, me pareceu um campo santo latino-americano, locação de um filme de Robert Rodriguez, Quentin Tarantino. Também Buñuel, mas prefiro os dois primeiros exemplos enquanto admitem o hibridismo pop que mescla mariachis e vampiros.

Aliás, não parece: é um campo santo latino-americano, como não? Plantando num promontório árido e terroso, vizinho ao mar e também a caveiras de burro, tem aquele exotismo cromático multicolorido mais próximo ao México, por exemplo, que ao verde-bandeira-pau-brasil. Ou às mil e uma cores dos vestidos das índias quéchuas.

Multicolorida, também, é uma seção do cemitério do Verano, em Roma, próximo à basílica de San Lorenzo Fuori Mura. As cores não vêm das flores. É a escala cromática de centenas de brinquedos, que emprestam ao ar naturalmente fúnebre um sentimento estranho que percorre a espinha em doses iguais de felicidade e melancolia: a seção do cemitério onde são enterradas as crianças. Nos cemitérios italianos é comum os túmulos verticais, pequenos prédios, blocos compactos, como gavetas de concreto empilhadas. Os pais vão visitar os filhos e deixam nos nichos naturais uma variedade enorme de brinquedos. Imagino que não são necessariamente os originais dos filhos, mas, justamente, novos brinquedos, que só assim podem chegar aos infantes a cada ano que passa para os que permanecem vivos. Parece uma enorme prateleira povoada de bonecos, bonecas, jogos, carrinhos, aviões, caixinhas de música.

Foi o som alegre de uma dessas caixinhas que me atraiu numa manhã de sábado, aonde a infância não tem fim. Era um som mágico e encantador. Abri um sorriso ao ouvi-lo. Dobrei uma, duas alamedas, como um ratinho de Hamelin. O sorriso se desfez, desajeitado, quando me deparei com a multiplicação dos brinquedos, e uns poucos casais depositando suas flores animadas. Mas a paz logo retornou quando não encontrei em seus semblantes nenhuma dor ou agonia. Apenas a saudade. Plácida, morna, eterna.

Os mortos de São Cristovão à beira-mar e os mortos de Verano fora dos muros antigos de Roma: por que os reuni hoje aqui?



quinta-feira, 1 de novembro de 2007

De ontem, válido sempre | Raul Rock Seixas



Robert Crumb, in Minha vida, São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005



É fim de mês, é fim de mês, é fim de mês, é fim de mês, é fim de Mês! Eu já paguei a conta do meu telefone, Eu já paguei por eu falar e já paguei por eu ouvir. Eu já paguei a luz, o gás, o apartamento Kitnet de um quarto que eu comprei a prestação Pela caixa federal, au, au, au, Eu não sou cachorro não (não, não, não)! Eu liquidei a prestação do paletó, do meu sapato, da camisa Que eu comprei pra domingar com o meu amor Lá no cristo redentor, ela gostou (oh!) e mergulhou (oh!) E o fim de mês vem outra vez! Eu já paguei o peg-pag, meu pecado, Mais a conta do rosário que eu comprei pra mim rezar ave maria. Eu também sou filho de deus Se eu não rezar eu não vou pro céu, Céu, céu, céu. Já fui pantera, já fui hippie, beatnik, Tinha o símbolo da paz pendurado no pescoço Porque nego disse a mim que era o caminho da salvação. Já fui católico, budista, protestante, Tenho livros na estante, todos tem explicação.Mas não achei! eu procurei! Pra você ver que procurei, Eu procurei fumar cigarro hollywood,Que a televisão me diz que é o cigarro do sucesso. Eu sou sucesso! eu sou sucesso! No posto esso encho o tanque do meu carro Bebo em troca meu cafezinho, cortesia da matriz. "there's a tiger no chassis"... Do fim do mês, Do fim de mês, Do fim de mês eu já sou freguês! Eu já paguei o meu pecado na capela Sob a luz de sete velas que eu comprei pro meu senhor Do bonfim, olhai por mim! Tô terminando a prestação do meu buraco, do Meu lugar no cemitério pra não me preocupar De não mais ter onde morrer. Ainda bem que no mês que vem, Posso morrer, já tenho o meu tumbão, o meu tumbão! Eu consultei e acreditei no velho papo do tal psiquiatra Que te ensina como é você vive alegremente, Acomodado e conformado de pagar tudo calado, Sem bancar o empregado sem jamais se aborrecer... (Ele só que, só pensa em analisar, na profissão seu dever é adaptar, ele só que só pensa em adaptar, na profissão seu dever é adaptar) Eu já paguei a prestação da geladeira, Do açougue fedorento que me vende carne podre Que eu tenho que comer, Que engolir sem vomitar, Quando às vezes desconfio Se é gato, jegue ou mula Aquele talho de acém que eu comprei pra minha patroa Pra ela não me apoquentar, E o fim de mês vem outra vez... Raul Seixas