quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

saudade | s

E porque eu venho da exposição de Fernando Gurgel, e porque eu bebi vinho branco, fraco, mas o suficiente pra me fazer a cabeça, e porque eu vi Leda, sem os cisnes, e porque sem porquês, me deu uma saudade doida de Luís Carlos Guimarães, com quem eu gostaria de ter bebido hoje.

CANÇÃO URBANA
O que me chama atenção é um homem sozinho numa mesa,
nos seus cinqüenta anos bem morridos,
a entornar seu chope silenciosamente,
o homem de paletó cor de goiaba.
Necessariamente funcionário público,
na vizinhança da obesidade e do enfarte,
o homem de paletó cor de goiaba,
tem cinco filhos, três netos,
uma mulher de barriga caída e varizes nos braços e nas pernas,
um apartamento de dois quartos no 12º andar do Edifício Flor das Laranjeiras
(financiado em 25 anos, com correção monetária, pelo BNH),
calos na sola do pé direito,
dentes cariados,
fígado inchado,
acessos semanais de asma brônquica,
uma sogra que encarna o dragão vomitador de fogo,
uma acentuada hipermetropia na visão esquerda
e bolsos furados.
E mais:
no morrer de cada dia,
o homem de paletó cor de goiaba
tem os ouvidos rasgados pelo barulho do trânsito,
sua sangue poluído de asfalto na repartição,
nas filas de ônibus e do INPS.
Entornando silenciosamente o seu chope,
o homem de paletó cor de goiaba
parece um boi.
Um boi.
Não o boi que pasta no campo,
mas o boi que vão levando ao matadouro.

Luís Carlos Guimarães

2 comentários:

Moacy Cirne disse...

Luís Carlos! Luís Carlos! Ele sabia beber vinho. E sabia fazer poesia...

Anônimo disse...

um poema bamba


meu boi