sexta-feira, 25 de abril de 2008

Caetano e as melancias [250408]



Incrível. No duplo sentido da palavra, enquanto substantivo e adjetivo, um pouco menos como interjeição, já que esta ganha normalmente ares de pura e simples exclamação quase abstrata, quase banal.

Incrível, por que inacreditável, por que fantástico, extraordinário, extravagante, ridículo: leio num portal de notícias uma pequena manchete acompanhada de foto e tudo – “Depois do jantar, Caetano passa no mercado”. Clico em cima, a foto se alarga, vê-se o entorno do músico, em primeiro plano um caixa vazio de supermercado, mais adiante uma gôndola baixa com frutas – laranjas, laranjas, maçãs, vermelhas e verdes, e outras que não identifico –, e por trás dela um Caetano alheio ao fotógrafo, digo, paparazzi, rosto tranqüilo, de flâneur urbano, de flâneur de supermercado. Falta só o vento, a praia, o calçadão para compor com seus versos: “Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento...” Invés, ou quase isso, a didascália informa: “Tranqüilo, Caetano caminha perto das melancias”.

Sim, pois, tinha me esquecido, por sobre a gôndola, quatro ou cinco fatias de suculenta melancia exibiam seu verde-vermelho – e pareciam emoldurar o passo, que imagino gingado e malandro, de Caetano.

Mas, voltemos a legenda, não sem antes rever a manchete – “Depois do jantar, Caetano passa no mercado”. Manchete. “Tranqüilo, Caetano caminha perto das melancias”. Legenda. Apesar de incrivelmente besta, a primeira é superada, em muito, pela segunda. Se não há notícia alguma no fato de um dos mais famosos músicos do Brazil jantar e depois ir ao supermercado (a menos que ele tenha matado Paula Lavigne durante a ceia), menos ainda há na sua passagem fugaz, ladeando exuberantes melancias, ou abóboras ou mexericas ou melões-de-são-caetano que sejam.

No entanto, está lá. Na página do UOL (slogan “o melhor conteúdo da internet”), sob a categoria “Celebridades”.

Ou seja, tudo aquilo que nos ensinaram no supermercado do saber que é a universidade (e na quitanda que é a faculdade de jornalismo), está furado, errado, torto e equivocado. Não é mais necessário que o carteiro morda o cão – tá de bom tamanho que entregue a correspondência, de preferência a uma celebridade qualquer da vez e da hora, do quarto de hora que são os famosos 15 minutos de Warhol. E ao cachorro nem precisa o esforço de ladrar ou morder: basta que submeta-se ao flash do fotógrafo, barriguinha pra cima no colo da dona ou do dono, que aproveita pra exibir o último sofá combinando com o quadro decorativo na parede nas páginas multicoloridas das revistas.

Mas, desculpem-me: não me sai da cabeça a legenda. Preciso repeti-la aqui, uma e mais outras vezes, para digeri-la melhor, para entender como caminha a humanidade. “Tranqüilo, Caetano caminha perto das melancias”.

“Tranqüilo, Caetano caminha perto das melancias”.

“Tranqüilo, Caetano caminha perto das melancias”.

Pronto, descobri! A humanidade caminha perto das melancias.

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