segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Canto de sala


Natal, 10-8-56
OTONIEL

NEWTON NAVARRO

"VERGONHOSA situação a nossa deante daquele homem calado e doente, sentado num canto de sala, preso da doença e da injustiça dos homens. Vergonha para todos nós a situação desse homem. Ferido pelo mundo e pelos homens aguarda, solitário, numa sala humilde a sua grande hora. Não tem desespero. Tem um olhar de distância e uma palavra de ternura ainda, para os que aparecem na sua casa. O Grande Poeta! O príncipe da poesia potiguar! O meu grande Otoniel Menezes... Ah, velho e ingrato mundo! Tortuoso mundo em que o poeta vive das suas tristezas e dos seus pesares.
Que fez ele, o cantor magistral da Praieira contra os homens e contra a Cidade? Que mal ou que maldição escreveu a sua pena de humildade e de beleza contra ti, minha cidade do Natal? Que ferida riscou ele em tua carne de sentimento para que o maltrates tanto na sua desdita? Otoniel Menezes, penso demoradamente em ti, nesta tarde. Quero ser teu irmão na desventura com que os homens de poder premiaram o teu grande e fecundo coração de Poeta. Estou ao lado nesta sala calada em que meditas. Quero para mim um pouco dessa mágoa que faz sombra em teu rosto. Participo dessa melancolia com que olhas do alto do teu silêncio ferido as torres da Cidade Perdida a que deste a melhor parte da tua alma. Meu irmão mais velho, Otoniel Menezes, sinto a tua alma junto a minha, os teus versos soluçam em meus ouvidos. Mas há uma solidão enorme que nos cerca. Os homens renunciaram a missão de ter vergonha. Não te olham, não te agradecem, fecham os olhos para a beleza dos teus cânticos. Adoeço de mágoa. Fecho janelas desesperadas que se abrem para um mundo vil e sujo. Pobre Cidade minha. Tanto que te quiz e ainda te quero, que mão pesada jogas sobre a cabeça encanecida do teu Cantor maior! Vergonhoso gesto dos teus mandatários tirando da mão trêmula do Poeta o pouco com que lhe premiaram o valor e a pureza dos seus versos. Ingrata Cidade que mataste Itajubá e feriste Jorge Fernandes, pára um pouco a mão impiedosa que rasga a alma do Poeta de Praieira. Já sofreu demais este homem. Deixa ao menos que nos seus dias finais possa ele cantar como fazia, o teu encanto de mulher entre um rio e um mar e sustentando entre as mãos um sol vivo e verânico, como uma rosa de fogo."

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