quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Crônicas de mortes anunciadas


Para Odilon Garcia


Inexorável, como o tempo, a Cidade Velha vai ficando pra trás.

Como seus velhos, incapazes de seguir adiante, sem forças pra cumprir os dísticos Velociter e o da cachorra Aparecida, o de “correr sempre para a frente”.

Aliás, não ficam pra trás: são derrubados, destronados, desconsagrados, sem dó nem piedade, a não ser aquele pouquinho que paira como névoa tênue nos velórios que se sucedem a toque de caixa, fast funeral.

Como as velhas casas, derrubadas da noite para o dia para dar lugar, primeiro, a um terreno vazio, limpo e asséptico e terrivelmente plano, um breve clarão, clareira, entre o erguer-se impetuoso de novos prédios e o apagar-se das ruínas renovadas que assombram quem ainda resiste de pé; depois, para receber as gaiolas de aço, vidro e concreto com seus desejos explícitos de ascensão social.

A nova cidade não nasce: é edificada sobre os escombros da velha, sobre as memórias que não mais brotarão, sepultadas para sempre nos cemitérios, última morada da Urbe, real, viva. A cidade lembrada por Cascudo, citando Pierre Lavendan, como “um ser vivo”, e que, “como todos os seres, ela nasce, ela cresce, ela morre”, rejeita a si própria, refuta a própria orfandade, abraça um futuro que ignora qualquer sombra ou semelhança com o passado.

Se em 1946, Cascudo afirmava “A Cidade do Natal é uma perspectiva indefinida”, meio século depois a perspectiva é das piores. O novo ser vivo nem clone de si mesmo pretende ser. É apenas o fake do fake do fake.

Um comentário:

Unknown disse...

Mário,
Bela crônica! O meu sentimento também é o mesmo com relação à Natal. Mudou a cidade, as pessoas e seus valores. Resta "isso" que está aí, tão bem retratado no seu texto.