quinta-feira, 5 de junho de 2008

A farra do boi

“No matadouro de João Câmara, assistimos às mortes mais brutais dos bois. O animal era puxado por uma corda por um adolescente, que lhe cobria os olhos com um pano e outro marretava a cabeça do animal, errando várias vezes, fazendo o animal gritar de dor.” – Relatório do Ministério do Trabalho denunciando trabalho infantil em matadouros do Rio Grande do Norte, hoje na Folha, para assinantes.


“Conduzida ao pátio, e não muito distante da porteira, um dos matadores dá-lhe com o olho do machado uma pancada violenta no encaixe da cabeça apanhando o cabelo louro, na expressão sertaneja. A rês cai incontinente sobre a cama de ramos verdes de antemão preparada. Era então sangrada com uma comprida e afiada faca de ponta na veia-mestra [...]. O sangue espirra e, pouco a pouco, a seringada vai diminuindo e também vão diminuindo os estrebuchamentos agoniados até que a vítima revira os olhos e morre. É este um drama muito triste e talvez mais triste ainda é assistir as lamentações desesperadas dos sobreviventes no lugar da matança. A rês que primeiro, e à distância, pressentir o cheiro do sangue derramado, aproxima-se entristecida. O passo é ainda vagaroso, mas à proporção que o a distância vai encurtando, começa a trotear em direção ao curral. O primeiro urro lamentoso ecoa nos ares para perder-se na distância das serras, cujo eco lhe aumenta a melancolia. Como por encanto surgem de toda parte outras reses que, inteiriçadas, as cabeças voltadas para um dos lados num esforço que lhes repuxa a parte lisa do queixo, começam o coro penoso. Os mugidos aumentam num crescendo mais e mais angustioso, a que não faltam nem mesmo as lágrimas como evidência de dor, saudade, amargura e revolta. No grupo, formado ao redor daquela sepultura, tem-se a impressão de que se interrogam diante do mistério do sangue derramado.” – Eloy de Souza em Memórias, Natal: Fundação José Augusto, 1975

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