domingo, 15 de junho de 2008

J. P. Barnum



Acabei de ler Seta, de Alessandro Baricco, vigésima edição na Biblioteca Universale Rizzoli Scrittori Contemporanei, a primeira edição se deu em 1996.

Acabei é modo de dizer. Quando acabei, era claro o dia. Agora, o céu tem a cor das asas da graúna, é um poço escuro e profundo. Se nele me debruçar fatalmente serei engolido.

Melhor não arriscar a romper o silêncio que me devora.

Melhor dar um tempo e consultar o Google em busca de luz.

Não, não é melhor. É assustador. Se ir ao Google fosse algo físico através de um espaço real, a esta hora eu estaria com as costas apoiadas numa porta apenas fechada, o coração aos pulos, a alma prestes a ser regurgitada.


Embaixo, o endereço de um blog do Estadão.

Foi um inquietador jogo de espelhos escuros. Apesar de eu ter escrito “acabei” e o sujeito virtual “acabo”. Eu nunca diria que Baricco tem cinqüenta anos, nem cem, nem dez, nem vinte e três. Nem que é um dos principais escritores do seu país ou de país algum.

Nada contra quem escreveu, nem o quê escreveu, muito menos como escreveu. Dou uma olhadinha, chama-se Felipe Machado, e logo abaixo do seu nome está escrito, em maiúsculas: PALAVRA DE HOMEM.

Nossa.

Acho que conheço esse cara de algum lugar.

Não tanto pela foto (a boa-pinta dos caras boa-pintas), senão pelo nome. Globo? Circo Voador?

De repente, parece que fiquei com ciúme do sujeito.

Não que eu queira me justificar perante o júri – até porque o único cara que mereceu escrever aos seus membros chama-se Humbert Humbert –, eu tinha ido ao buscador apenas pra checar se o livro tinha sido traduzido no Brasil. (Foi. Felipão Palavra de Homem me garante.)

Aí alguém não apenas leu o livro, mas escreveu sobre ele. Pior, na contemporaneidade e sincronicidade eterna da internet, “acabou” de ler. Como eu.

Não: ele acaba de ler. Eu acabei.

Se chamarem o professor Pasquale Cipro Neto é capaz de dar-me o torto e a razão ao Machado, melhor deixar quieto.

E eu que tinha todo um roteiro em mente, um plano de fuga bem traçado para escrever o que eu senti, apenas fechado o livrinho, 100 páginas na edição de bolso, presente da minha filha, recém-desembarcada em Cidade dos Reis.

Até o título estava desenhado – tudo aí em cima, escrito, não tirei nada do lugar, não alterei a cena do crime, podem trazer o luminol, derramem o líquido no meu, no seu, no computador, na rede mundial de computadores. (Ah, quanto eu não daria para ser um grande ator e, escondendo o rosto nas mãos – eu deveria ter mãos calosas e grandes – derramaria um choro trágico dos filmes de detective americanos.)

O título, bem, o título, preciso me recompor, faz de conta que me alço (e se me alço não é de uma sala moderna, mas de uma biblioteca vitoriana, com pé direito altíssimo e paredes de livros desde o rodapé), vou até a cozinha (também ampla, onde uma negra gorda de avental e lenço na cabeça me oferece, sim sinhô, chá) e, pois, sorvo meu chá, as pernas cruzadas, o bico da bota apontando o candelabro de cristal, o dedo mindinho empinado onde desponta um anel.

Só uma dúvida: nas plantation americanas, as casas-grandes tinham candelabro na cozinha?

Ah, ah, o título pois: P. T. Barnum (desta vez não vou ao Google). Barnum era o carinha que revolucionou o circo, o grande espetáculo urbano.

Tenho um livro de Baricco – Barnum, cronache dal grande show – presente, talvez, de Alberto Criscuolo. (As pessoas vivem me dando livros de Baricco, minha ex-mulher me trouxe, anos atrás, Senza sangue.)

Na nota do autor que abre o livro – ok, ok, longa pausa e parênteses para explicação necessária:

Esta edição que eu tenho, de Barnum, é de 1999. A primeira é de 1995. Os livros na Itália (também em outros países, mas falo do que conheço relativamente bem) são sempre relançados em edições econômicas, mais ou menos um terço do preço original. Já em 95 a Feltrinelli lançava Barnum pela sua Universale Economica – pois, em 99, quatro anos depois o Barnum da mesma coleção baratinha já estava em sua 12ª edição. Um belo e invejável exemplo para os autores brasileiros.

Retomo:

Na nota do autor que abre o livro, Baricco explica que desde que o diretor do jornal La Stampa o convidou para uma crônica semanal, ele pensou no título: “Barnum como aquele do circo. Porque tudo aquilo que eu via, ao meu redor, me parecia um grande espetáculo de palhaços, domadores e acrobatas; e eu gostei da idéia de tentar descrevê-lo, um pouco a cada vez, assim como vinha.”

Continuo depois.

É domingo. Vou comer uma pizza. No barracão. Com os palhaços, os domadores e os acrobatas.

Um comentário:

Mme. S. disse...

Pois é, M.I. o quase assalto me pegou de assalto e, de repente, me vi cansada e triste... Foi estranho, mas interessante ver duas situações diametralmente diferentes e tão próximas, a minha e do Carlão, lá no seu quadrado imperfeito. Um beijo, S.