sexta-feira, 6 de junho de 2008

Azul-grego



[Shakespeare em companhia: James & Sylvia – do sítio the modern word]

O bicho tá pegando lá pelas bandas do substantivo singular e plural de Tácito Costa: cada um que puxa o tijolão do Senhor James Joyce pra si.

Desse jeito, vão terminar rasgando o livro.

E Tácito Costa, com a paciência de um monge recolhido a um mosteiro medieval beneditino, ainda está na 350ª página. Por aí.

A edição original tinha 732 páginas – “e uma média de um a seis erros tipográficos por página, segundo a editora, a norte-americana Sylvia Woodbridge Beach.

No verão parisiense de 1920, Sylvia conheceu James, Beach conheceu Joyce – nada bíblico, enfim: “Apertamos as mãos; quer dizer, ele pôs sua mão mole e lânguida na minha patinha dura – se é que se pode chamar isso de um aperto de mãos.”

Pouco depois, a Shakespeare & Company, livraria de Beach, Sylvia, anunciava a publicação de Ulisses “na íntegra, tal como escrito”.

Não seria nada fácil.

A primeira dificuldade foi encontrar o papel certo e a cor certa, desejada por Joyce – azul-grego.
A segunda, uma boa datilógrafa: Joyce escreveu todo o Ulisses à mão. Só para o episódio de Circe, a feiticeira, foram necessárias mais de 10 – Beach: “A oitava, contou-me Joyce, ameaçara, em seu desespero, atirar-se da janela. Quanto à nona, tocara a sua campainha e, quando ele abriu a porta, atirou as páginas que estavam prontas no chão e saiu correndo pela rua, desaparecendo para sempre.”

A 10ª foi a irmã de Sylvia, Cyprian, que precisou viajar e abandonou a empreitada.

A 11ª foi uma amiga de Sylvia, Raymonde Linossier, que precisou desistir.

A 12ª, uma amiga de Raymonde, então, assumiu a máquina datilográfica, mas o seu marido, “após passar os olhos pelo texto, atirara-o ao fogo.”

Em 2 de fevereiro de 1922, Sylvia Beach entregava a James Joyce o primeiro exemplar de Ulisses. Era o 40ª aniversário do irlandês.

Oitenta e seis anos depois, na Cidade dos Reis, alguém começa a ler o livro e não pode nem achar o calhamaço chato. Tácito: “A perenidade de uma obra de arte depende de muitos fatores. E o fato dela estar inscrita no cânone e ter sobrevivido a milênios não impede que um ou outro leitor a ache chata. Isso não significa que ela não tem importância ou seja uma grande obra. Onde está escrito que todos temos de achar a mesma coisa sobre um determinado livro ou obra de arte? Eu não abro mão de ter minhas próprias opiniões, mesmo que elas contrariem seja quem for.”

Do lado de cá, eu nem tentei abrir o livro.

O que sei e contei aí em cima, apreendi de Shakespeare & Company: uma livraria na Paris do entre-guerras, de Sylvia Beach, tradução de Cristiana Serra, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2004.

Comparado ao Ulisses, quase uma revista Caras, mas bem bom de ler.

3 comentários:

MPBECO disse...

Tem um filme aí sobre esse Blooom, passará nesses dias, eu até programei para gravar, deixe eu ver aqui onde é e o que é: Bloom, Sean Walsh, 2003, passará no TV Cult, canal 65 da Sky, das 02:45 às 04:50 do Domingo, ou seja nessa madrugada.

MPBECO disse...

http://librivox.org/ulysses-by-james-joyce/

audio

Moacy Cirne disse...

E o que dizer então do Finnegans wake, meu caro? Diante dele, Ulisses (vale a pena "enfrentá-lo", rapaz!) é leitura para crianças de 8 ou 9 anos... Abraços.