quarta-feira, 18 de junho de 2008

Francisco Ivan’s Day [180608]


[JJ fotografado por Man Ray]


[e invertido bestamente por midc]




O professor, doutor, Francisco Ivan, apeia de um automóvel imaginário, entra no saguão da Biblioteca Central da cinqüentenária Universidade Federal do Ryo Grande e fala com um, dois, que o saúdam.


A Biblioteca Central tem o nome de Zila Mamede – gostaria de dizer, encimando o frontispício, e que um belo busto da poeta coroa o ingresso. O nome, com certeza está lá, na fachada de linhas baixas e modernas do edifício, bem ao gosto (latino-) americano. Desconheço, invés, o busto.


Mas a noite não é da poeta paraibana afogada entre o Putigy e o Atlântico Sul. A noite é de James Joyce, o irlandês, o dublinense por excelência. O homem que escreveu o “Ulysses” e a ele associou seu nome, quase deixando o grego Homero nas sombras.


Desminto-me: a noite é de Francisco Ivan. Professor. Doutor. Poeta. E puxador do samba do irlandês maluco que é a obra máxima da literatura mundial.


Chico Ivan parece recém-egresso de uma sacristia. A camisa branca, lavada, engomada, não exibe um botão que não esteja dentro da casa correspondente. Na altura dos punhos. Vizinho ao colarinho.


É um tímido. Daqueles que, de tanto lutar com a timidez, parece manter vivo o jeito acanhado que finge ainda possuir.


Está muito cioso do papel que cumpre. De sacristão do papa da literatura acadêmica. Mas Joyce está morto, e Chico Ivan: bem vivo. Para a edição do Bloomsday 2008, foi convidado o poeta Décio Pignatari, uma espécie de bispo dos joyceanos, dos joyceófilos, dos quetais. Sua eminência concreta, o poeta, passou mal, os médicos desaconselharam a viagem ao Ryo Grande.


Chico Ivan viu-se obrigado a ocupar o posto de Pignatari na conferência. Nem por isso: enquanto a vice-reitora cumpre o papel que o cargo exige, Chico Ivan concentra-se. Percorre as palavras que daqui a pouco proferirá. Fecha os olhos, sonha com Joyce e com suas personagens. Espia, pela enésima vez, uma página de sua bíblia, a ponta do indicador relê o que lhe interessa, e retorna ao rosto, pensativo.


É quase uma pré-palestra silenciosa, plena de ritos d’alma.


Quando começa a falar, está de bom humor. Como um peixe dentro d’água. Sabe que metade da platéia, ao menos, é formada por discípulos de sua religião. Outra parte é constituída por pares que o respeitam. Quase, quase, incorpora o showman que de fato é.


Começa chutando a barraca do provincianismo, aquele, que o critica por celebrar autor estrangeiro. Chico Ivan tem sede do universal. Seu lugar é no vaticano e não na igrejinha paroquial. Embora saiba que, para fazer rir a platéia, deve abusar de expressões tipicamente nordestinas: a Igreja moderna é um “canjerê”; o barroco Bernini deveria descer dos céus e dar uma “pisa” naqueles que insistem em macular o Vaticano com telões de plasma e cadeiras de plástico; seria ótimo ler o “Ulysses” (e suas infinitas “putarias”) numa rede – mas, não dá, não dá. É uma enciclopédia que exige outras enciclopédias para a sua leitura, uma bíblia que pede missa em latim, turíbulo, incenso.


Sem traço de pudor ou sombra de vergonha, cita trechos originais do livro, o sotaque distante léguas de Dublin.


Sacro, dessacraliza a própria crença: quando agradece, agradece aos deuses, no plural.


Talvez seja um dos únicos conferencistas que ousa não citar Cascudo, no púlpito.


É então, no auditório-catedral, iluminados pela fluorescência das luzes, que percebemos: quando Chico Ivan fala de Joyce, está falando de si mesmo.


4 comentários:

Moacy Cirne disse...

Sou admirador confesso de "UIlisses", mas não de um Bloomsday em Natal. Contudo respeito a sabedoria e a luta literária de Chico Ivan, um poeta digno e um belo prosador em sua memória de Currais Novos, trasnsformada em livro pelo Sebo Encarnado, segundo a sua expressão aqui mesmo. Também asdmirei o seu artigo/homenagem: Chico Ivan merece. Abraços.

Anônimo disse...

Concordo com Moacy. E acho que essa discussão de Ulisses levantada nesta cidade de reis deveria render um troféu a Tácito!..rs

Estou sempre por aqui!

Abraço, Mário

Anônimo disse...

"Longa vida" aos que possuem obra a altura de ser celebrada quer seja em vênus ou em marte.

Anônimo disse...

OBRIGADO