segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Fernando & Sabino


“Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, nem tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz.” Gênesis, 8, 21
“O meu arco tenho posto nas nuvens; este será por sinal da aliança entre mim e a terra.” Gênesis, 9, 13



Petrópolis espia Mãe Luiza: uma aliança possível?

Não me canso de falar em Sabino, incomode a quem possa incomodar e independente de quem goste e idolatre-o: continuo achando que ele está muito além disso tudo, do bem e do mal, do paganismo e do fundamentalismo cristão, da direita e da esquerda, do reacionarismo e do esquerdismo superficial, ambos em plantão permanente. Daí que repercuto o que vier dele ou sobre ele (fazei isto em memória de mim, segundo Lucas, 23, 19). Como o e-mail do deputado Fernando Mineiro, que reproduzo, a seguir:

Caríssimo,

Lendo o texto [ver post “Um artigo inédito”, 14 agosto], aumentou a sensação do quanto Sabino nos faz falta. Aliás, nestes tempos de impactos, lembro dele, vez em quando. Bem sabemos de que lado ele estaria...
O conheci no início dos anos oitenta, quando morei em Mãe Luiza (81 e 85) e ele já estava lá, partilhando o pão com os do morro. Companheiro.
A sua simplicidade poderia levar os desavisados a confundi-lo com um simplório. Os que o conhecemos, bem sabemos de seu profundo humanismo. Culto, sem nenhuma afetação, Sabino
vivia antenado e tinha opiniões/visões/opiniões//projetos sobre o mundo.
Foi dele que ouvi, no começo dos oitenta, reflexões sobre a obra de Gramsci. Conceitos como contra-hegemonia, guerra de posição e guerra de movimento, intelectual orgânico, relação entre cultura e transformação sócio-política, entre outros temas caros à elaboração gramsciniana, eram-lhes familiar. Aliás, à época, ele traduziu e me emprestou um belo texto do Gramsci (acho que um fragmento de Cartas do Cárcere) sobre educação.
Naquela época, ele também me passou um livro que me ajudou sobremaneira o olhar/buscar/entender o eterno processo de transição brasileira. Refiro-me a O Leopardo, obra de Lampedusa – um profundo olhar sobre a decadência da monarquia e a ascensão da burguesia italianas. É desta obra a frase que se tornou famosa “mude-se alguma coisa, para que tudo fique como está”. Dele também a indicação do filme O Leopardo (acho que de Visconti, anos 60). Sabino foi articulador, entre outros movimentos, da Pastoral Operária, da Consulta Popular, das Assembléias Sociais. Seu compromisso, assumido à luz de profunda radicalidade cristã, era a emancipação dos setores populares.
Com ele, participei de vários encontros, debatendo os mais variados temas.
Foi dele que recebi um telefonema fundamental para minha resistência ao massacre sofrido pelo PT em 2005. Numa tarde de agosto de 2005, após dar uma entrevista a uma rede de televisão sobre a crise do PT, em que afirmava a necessidade de se separar os erros individuais da instituição partidária e afirmava que, a partir de nossos próprios erros, os adversários queriam mesmo era a jugular do PT e do Governo Lula, recebi uma ligação de Sabino me dizendo: “Você não pode desistir, porque temos um projeto muito maior e o que está em jogo é a história da luta de nosso povo. Brincando me disse que, mesmo que eu não acreditasse em orações, ele estava ali orando e torcendo para que nós, petistas, tivéssemos força para suportar e resistir.
A última vez que o vi e conversei com ele foi após um ato de protesto contra a violência contra as mulheres, na praça sete de setembro. Ele estava animado, esperançoso. Aliás, como sempre. Alguém se lembra de ter visto Sabino passar algum tipo de desânimo? Perguntei pela saúde e ele, naquele jeito relaxado consigo mesmo: “Tô bem, tô me cuidando, vou levando”. Até mesmo quando se internou, foi escondido.
Dias depois, viajou à Itália e se foi de vez, sem se despedir ou se despedindo, a seu jeito. Se foi como viveu: discreto.
E aqui vou rememorando isto, ao ler este texto.
E ficamos aqui, na cidade dos reis/rainhas/príncipes/princesas. Com uma saudade imensa de quem nos ensinou a resistência e o orgulho plebeus.
É isso.

Mineiro

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