sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O estado das coisas


A revista eletrônica entertainment weekly, com essa pronúncia que dá nó em língua dos não-anglófilos, fez mais uma lista, desta vez sobre os 20 finais de filme que “nós” (eles) “amamos” (amam) e mais 20 “perfeitos”.

Deu um trabalhão danado ver a lista completa graças à internet lenta que deus me deu e aos provedores da província que insistem em não me acudir: os 40 filmes são exibidos foto a foto, página depois de página.

Listinha muito da chinfrim, diga-se de passagem.

Tem alguns clássicos-classicões tipo Casablanca e ... E o vento levou, alguns clássicos-classiquinhos (O poderoso chefão II, O estranho no ninho), “clássicos” discutíveis (Cinema Paradiso, Cães de aluguel, O segredo de Brokeback Mountain), e absurdidades tipo Karate kid e Rocky II.

Sei, sei. São os finais de filme o mote da seleção – mas, como um final bom, ou excelente, pode salvar um filme ruim?

Tem ainda dois Hitchcock, dois Kubrick, um Cronenberg, Coppola, pai e filha, o velho Woody Allen, e, para botar panos quentes na cinefilia radical, um Kiarostami, um Truffaut e um Bergman (que o chato aqui tem certeza que só entrou enquanto o corpo não esfria).

Se acho a lista tão ruim, por que me dou ao trabalho de comentá-la?

Talvez porque a lista não seja tão ruim (nenhuma lista é nem não é), tem muita coisa boa, basta ver alguns dos que citei – é só pela raiva de não encontrar entre os incluídos o final inesquecível, perfeito, magnífico, emblemático, sintomático etc, de O estado das coisas, de Wenders.

Se viu, reveja, se não viu, corra pra próxima locadora e reze pra que ele esteja na prateleira.
Inventaram um nominho pra alertar quem não quer ler o final de um filme: spoiler. Pois, o blog, orgulhosamente, alerta seu primeiro spoiler – daqui pra frente é com vocês.

O personagem principal é um diretor alemão em crise filmando num hotel atlântico em Portugal. O hotel está deserto, em ruínas. A equipe está parada por falta de dinheiro. O tempo é, literalmente, ruim, reforçado pelo preto&branco granulado. Os atores se arrastam, como o tempo. O produtor sumiu. O diretor viaja a Hollywood, em busca do produtor, do dinheiro, do tempo perdidos. Encontra apenas o primeiro. Quando se despedem, alguém atira no produtor. Ao diretor resta-lhe uma defesa risível, irônica, cômica, trágica: empunhar a pequena filmadora como uma pistola imaginária, ser atingido por uma bala real, cair, morrer, diante da própria câmera.

Tornar-se imortal.

Wenders filmou O estado das coisas depois de Hammett (no Brasil, seguido do subtítulo Mistério em Chinatown), onde se desentendeu com o produtor Francis Ford Coppola.

Menos de três anos depois voltava aos Estados Unidos para filmar um começo inesquecível: Travis (Harry Dean Stanton) perdido no deserto, voltando para casa, para a mulher (Natassja Kinski), para o filho: Paris, Texas.

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