quarta-feira, 29 de agosto de 2007

smoke, no smoke
















Dia internacional de combate ao fumo.

Os jornais estão cheios de publicidade contra.

Exagero meu.

Eu é que estou cheio de jornais e de jornais contendo publicidade contra o fumo.

Na verdade, acho que não passam de três anúncios.

Todos de planos de saúde, que, claro, querem economizar no tratamento futuro dos cancerosos.

Um diz (afirma, acredita, jura de pés juntos) que o cigarro é “uma arma de fogo tão potente que até a sua fumaça mata”.

Eu procurei entre os dedos do rapaz da foto a chave de um automóvel qualquer, mas, não; a arma que o senhor redator pensou era outra: entre os dedos, o polegar emulando o gatilho de um colt, tava lá um cigarro, tão branquinho, apenas aceso, que logo me veio vontade de fumar.

Outro anúncio – esse de página inteira – pergunta: “Você tá queimando o quê?”

Êpa! Que indiscrição é essa, me’irmão?

Veio-me logo em mente a página dos poetas elétricos (26.08):

“O baseado dá de cara com o espelho em brasa que lhe diz:
- SORRIA! VOCÊ ESTÁ SENDO FUMADO!”
[Carito, “O papel de cada um”]


Veio-me logo em mente Cascudo fumando um charutão.

E Orson Welles.

E Sylvia Kristel em Emmanuelle.

E Serge Gainsbourg fumando Gitanes, e seus fãs depositando em frente de sua casa em Paris milhares de maços azuis. E os vizinhos, todos bons burgueses, torcendo o nariz.

E Italo Svevo e a consciência de Zeno: "Já que me faz mal, nunca mais hei de fumar, mas antes disso quero fazê-lo pela última vez."

E Clarice Lispector incendiando-se.

E o tratado de Cabrera Infante, Fumaça pura, dedicado ao pai, "que aos 84 anos ainda não fuma".

E "o fumador de cigarros por profissão adequada", Fernando Pessoa, dividido entre a lealdade que prestava "À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, E à sensação de que quase tudo é sonho, como coisa real por dentro."

E a capa de Catch a fire, Marley.

E Smoke e Blue in the face, dois filminhos legais de Wayne Wang inspirados em Paul Auster (principalmente pra quem não quer parar de fumar).

Sem cigarro, Tom Waits não existiria. Ao menos com a sua voz, ou seja, não existiria mesmo.

No caso de Waits tem também a bebida. Combinação mais que plausível. Perfeita. Vejam o que aconteceu com Marguerite Duras:

“Depois parei de fumar e só consegui fazê-lo voltando a beber.”

Marguerite Duras é escritora, daquelas que sabem escrever, o que é cada vez mais raro. Vai direto na canela, no osso, sem dó:

“Desde que comecei a beber, tornei-me alcoólatra.”

Lembra O amante, outra frase fantástica logo na primeira página:

Muito cedo em minha vida ficou tarde demais.”

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