domingo, 5 de agosto de 2007

Como um dia de domingo


Na beira da praia de Pirangi, sou perseguido por um pacote de tostines.

Ok.

Era um richester, a embalagem estava vazia, ventava etc, mas tostines é mais literário e me permito licenças poéticas, com copyright ou não do fabricante, pode ser?

Desculpa, estou sendo agressivo, eu sei. Mas você também estaria, se estivesse, hoje, na praia de Pirangi:

- Na praia de Pirangi, além de ser pedinado por um pacote de biscoitos, um magote de gente feia.

Gente feia pra tudo que é lado!

Mulheres, homens, crianças, velhas, tudo gente feia!

Um conselho: no Nordestão da Roberto Freire tem mais gente bonita (em qualquer lugar do mundo tem mais gente bonita que na praia de Pirangi hoje de manhã – mas eu dou a dica: Nordestão, Roberto Freire).

É sério.

Especialmente na quarta-feira, das frutas&verduras. Além das promoções, um monte de mulher bonita, pra tudo que é lado, que no caso de um supermercado é lado que não acaba mais, cada gôndola com quatro, pois. Elas aparecem em bandos, em filas, aos pares, sós ou acompanhadas, empurrando o carrinho, carregando a cestinha azul, a cestinha amarela, a cestinha vermelha (o Nordestão tem um padrão de cores para as cestas? Respostas para a redação); de vestido, saia, moletom, de blusa sem alça revelando a axila nua no momento sublime de pegar uma caixa qualquer na prateleira mais alta, de calça cocota (ainda se diz calça cocota?) e barriga tanquinho, de havaianas no pé, melissa, ipanemas, sapato alto, tênis, bota, coturno.

Tem loiras, morenas, ruivas, negras, asiáticas, afro-asiáticas, juro!, o Nordestão é um melting pot, ante-sala do Paraíso.

Saca as 400 virgens prometidas por Alá? Pois, lá tem mais, bem mais que isso – e o melhor é que nem todas são virgens, quem se importa com hímens?

... tem mulher pra todos os gostos e idades: lolitas e balzaquianas, com suas infinitas nuances, com seus deliciosos matizes... Quê? Sou um tarado, né? Um vulgar e indecente voyeur, daqueles que enchem o carrinho com centenas de produtos que não quer nem pode comprar e depois sai de mãos abanando pela porta da frente, os funcionários gentis do Nordestão que se fodam pra colocar tudo no lugar.

Deixe estar. Tudo isso foi na semana que passou e o que importa é que agora, hoje, agorinha mesmo, estou aqui, na praia de Pirangi, rodeado de gente feia, a praia com mais gente feia por grão de areia quadrado.

As mulheres, então. Vou descrever as mulheres daqui: “Estão todas acima do peso permitido até para as mais obesas.”

Os homens concentram a massa dita muscular no abdômen.

As primeiras esfregam pelo corpo um creme pegajoso branco encardido na tentativa inútil de encobrir as estrias, as celulites, as veias varicosas.

Os segundos batem bola, fingindo que sabem jogar, enquanto seguram uma lata de cerveja numa das mãos. Ô rapaziada descansada! Querem ganhar como o Ronaldinho Gaúcho sem jogar como o Ronaldinho Gaúcho (ainda se usa como exemplo contemporâneo o Ronaldinho Gaúcho? Respostas para a redação). E de cerva na mão!

(Abro o parêntesis para uma reflexão filosófica: a invenção da lata deve ter sido um grande negócio para os fabricantes de cerveja, mas um péssimo negócio para a humanidade.)

As crianças, naturalmente chatas, são ainda mais chatas à beira-mar.

Algumas até sorriem pra você, da baixura onde normalmente se encontram.

Buh!

Vai, vai procurar a mamãe, bebezinho chorão! Deve ser aquela ali, a bacurinha empanada.

Ops! Que é que é isso? Um caquinho de vidro.

Um cacão, na verdade. As bordas afiadas, a ponta pontiaguda que se formou quando o fundo da garrafa verde quebrou.

Eu me abaixo, sim, faço esse formidável esforço, recolho o caco na mão.

Não que eu seja bonzinho – é mania mesmo. O menino que ainda adormece em mim recolhendo conchinhas e frutos industrializados do mar. Uma bela imagem poética. Posso usá-la na quarta das frutas&verduras.

Recolho, enfim, (esse “enfim” é o equivalente escrito de um suspiro), recolho, enfim, dizia, antes de me interromper a mim mesmo, uns seis pedaços de vidro, de tamanhos, formas e cores distintas, todos cortantes.

Até nisso o Nordestão é melhor que a praia de Pirangi: duvido que se alguma daquelas moças bonitinhas deixar cair uma garrafa não apareça em segundos um funcionário prestabilíssimo, montado sobre as quatro rodas de seus patins, e recolha com uma longa vassourinha e uma longa pazinha a ameaça em pedaços.

Mas o pior de ir pra um lugar que descobrimos ser – ou estar – uma merda é ter de voltar sobre os nossos próprios passos.

E dar de cara, no portão de casa, com um pacote de rich... tostines, esperando por você. Ainda mais acompanhado de um Toddynho amassado, o canudo vermelho e branco acenando, com segundas intenções doentias.

3 comentários:

Anônimo disse...

como você escreve bem! foi um prazer passar por aqui. vou vir sempre, pode ser?

midc disse...

pode sim, lissa.
ser lido é sempre bom, embora fique meio encabulado com os elogios...

Anônimo disse...

não fique, são merecidos...