quarta-feira, 22 de agosto de 2007

uma carta de 66 para 07, de Glauber para Jomard, do Rio para Recife (e um morto, de Portugal para o Brasil)

“o que vai por aí neste distante Pernambuco do Recife? como agüentas a província brutalizada, a lama do subdesenvolvimento, o feijão, o angu, as velhas lotações, as estradas sujas, as ruas esburacadas, as moças sonhadoramente ansiosas na longínqua maquillage, a brutalidade adolescente dos rapazes, os velhos latifundiários, o arrivismo, os jovens poetas sinceramente dispostos a tudo salvar?”

[Glauber Rocha. Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997]



Glauber, é claro, é Glauber Rocha. Jomard é Jomard Muniz de Brito – aquele mesmo para quem o baiano escreveu o prefácio de Do modernismo à bossa-nova, naquele distante meia-meia da missiva; aquele mesmo que um certo dia na Província dos Reis alcunhou-a (talvez com conseqüências funestas pra quem tomou ao pé da letra a licença poética) de “Londres Nordestina”.

O pernambucano, em entrevista a Carlos Adriano para a revista eletrônica Trópico, explicou a sua desconstrução geográfica, em prol de um Brasil não mais dividido entre Província e Metrópole: “João Pessoa de repente Rio de Janeiro. Olinda barbaramente Paulicéia. Natal absurdamente Londres desnorteada. Campina Grande desgovernada por Bráulio Tavares.”

Bela intenção, Jomard.

Mas, que a carta de Glauber preserva uma realidade imutável, não se pode contestar. Se fores nordestino da gema, experimentas colocar o nome do teu estado e da tua cidade no lugar do “Pernambuco do Recife”, e verás que cai como uma luva, mantendo a coerência do texto.

E Glauber?

Glauber morreu. Praticamente no exílio. Quem chegou ao Brasil na noite de 21 de agosto de 1981 foi um corpo doente, diagnosticado com pericardite viral. Durou pouco na Terra do Sol e da Embrafilme. Na madrugada do 22, há vinte e seis anos, Deus e o Diabo foram vistos na Clínica Bambina, RJ: estavam juntos, de mãos dadas, acendendo uma vela para o mais importante cineasta brasileiro.




O santo guerreiro, em detalhe de quadro de Flávio Freitas. Não, ao menos aqui não existe dragão da maldade.





2 comentários:

Moacy Cirne disse...

Por Glauber, por Jomard (querido amigo da pernambucália), por tudo - uma bela postagem. Abraços.

Anônimo disse...

Rochas rolando... para nossa Munizção... de B'rito - Jomardesdantesnavegados...